O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército já gastou mais de R$ 1,5 milhão para ampliar, em 100 vezes, sua produção de cloroquina, medicamento cujo uso foi suspenso, nesta semana, para o tratamento da covid-19 pela Organização Mundial da Saúde. A ampliação da produção entrou no alvo do Tribunal de Contas da União, que investiga suspeita de superfaturamento nas compras do Exército, além da participação do presidente Jair Bolsonaro em suposta má aplicação de recursos públicos, já que o medicamento nunca teve comprovação científica para tratar a covid-19.
O laboratório do Exército firmou ao menos 18 contratos para comprar a cloroquina em pó e outros insumos de fabricação, como papel alumínio e material de impressão, ao custo total de R$ 1.587.549,81, segundo cálculos feitos pela Repórter Brasil com base no portal de compras do governo federal. Quase 95% dos gastos foram para a compra de 1.414 kg de cloroquina em pó. As compras, sem licitação, fazem parte das ações de enfrentamento à pandemia. Os recursos vieram do Tesouro Nacional e foram repassados ao laboratório pelo Ministério da Defesa.
A investigação do TCU, que será instaurada nos próximos dias, vai apurar também de quem partiu a ordem para o Laboratório do Exército produzir a cloroquina em larga escala. A suspeita é de que a decisão tenha partido de Bolsonaro e da cúpula militar do governo, sem o aval de técnicos do Ministério da Saúde, então comandado por Luiz Henrique Mandetta, que era contrário a ampliar o uso do medicamento no SUS.
Questionados pela reportagem, o Exército e o Ministério da Saúde não apresentaram os pareceres técnicos nem o pedido oficial enviado ao laboratório público que fundamentaram a produção de cloroquina. A Repórter Brasil tentou contato com Mandetta por telefone e mensagem de celular nesta sexta-feira (19), mas não obteve retorno. Sobre a investigação do TCU, o Exército disse que não comenta a atuação de órgãos de controle externo.
A primeira aquisição de cloroquina em pó pelo Comando do Exército ocorreu em 20 de março, um dia antes de Bolsonaro anunciar publicamente a ampliação da produção pelo laboratório. Naquele mês, quando o protocolo do Ministério da Saúde indicava a medicação apenas para pacientes graves e em ambiente hospitalar, os militares compraram 414 kg de cloroquina em pó a R$ 488 o quilo.
Já em maio aconteceram outras duas compras, de 1.000 kg no total, a R$ 1.304 o quilo – valor seis vezes maior do que cobrado um ano antes pelo mesmo fornecedor. Foi esse aumento de preços que levantou, no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), a suspeita de superfaturamento, já que o distribuidor tinha comercializado a cloroquina em pó em 2019 por R$ 220 o quilo.
‘Desperdício de recursos públicos’
O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado afirmou haver “evidente ineficácia administrativa” que resultou “num desperdício de recursos públicos que deve ser devidamente apurado e os responsáveis penalizados na forma da lei”. Furtado, em representação enviada ao TCU, pede que o órgão apure se houve “responsabilidade direta do presidente da República” na orientação e na determinação da produção.
“A produção massiva de produto que, ao final, não será útil para os propósitos que motivaram esse ato é resultado direto do voluntarismo da autoridade máxima do país, sem base científica ou médica. Ao agir dessa forma, o presidente da República deixa de garantir de forma adequada o direito da sociedade à saúde”, disse Furtado.
Repórter Ceará – UOL (Foto: HeungSoon/Pixabay)