Essa foi a expressão que vagou pelos corredores do Palácio do Planalto, assustando a ala militar e principalmente a ideológica do governo federal na tarde do último 8 de março. Naquele momento, o ministro da Suprema corte, Edson Fachin, já havia despachado sua decisão de anular todas as condenações do ex-presidente Lula na Lava-Jato, o que tornaria o petista novamente elegível, para o pavor de quem queria a jararaca longe do tabuleiro político do Brasil. E agora?
Lula mesmo quem cunhou o apelido peçonhento a si. Ao final de um de seus depoimentos à força tarefa da Lava Jato, em março de 2016, cinco anos atrás, disse que “se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça”, se referindo as acusações dos procuradores a época. Agora, o termo voltou a voga entre quem desgosta da ideia de uma candidatura do ex-metalúrgico do ABC. As análises políticas se alvoroçaram ainda naquela tarde de segunda. Muitas opiniões foram dadas e houve, naquele primeiro momento, um consenso entre jornalistas da grande mídia que o presidente da República, Jair Bolsonaro, era uma das personas mais felizes com a ideia de disputar com o petista, isso pois seria o cenário ideal para seu campo de polarização, contudo, como dizem os ditados, “o tempo é o senhor da razão”, e ele agiu rápido. Com cabeças mais frias, até quem já tinha escrito em artigos de última hora que o Brasil seria arrastado para uma polarização apocalíptica passou a perceber que o presidente pode não ter ficado tão contente ou mesmo confortável com a possibilidade de enfrentar Lula no pleito do próximo ano.
Sim, sem dúvidas teremos uma polarização nas eleições gerais para presidente, porém, o que se há de ponderar será a trama e o mote da polarização: uma coisa é polarizar entre rumos ideológicos – direita e esquerda – ou partidos em eleição – Democratas e Republicanos nos EUA – e outra que muda todo o jogo é polarizar entre racionalidade/política/civilização e negacionismo/autoritarismo/barbárie. Seja quem for enfrentar Bolsonaro em um possível 2º turno, já assumirá pelo menos algum dos temas da primeira opção – já que o presidente abraça todos da segunda. Além dessa previsibilidade de cenário, os fatos que transcorreram durante a semana derrubam o pilar de quem acredita na felicidade de Bolsonaro com o retorno de Lula: na terça, o julgamento da suspeição de Moro é pautado por Gilmar Mendes, que dá uma aula de jurisprudência e coloca o menino mimado -digo, Moro, e os outros meninos – perdão, os procuradores e delegados, nos seus devidos tamanhos e espaços frente ao Estado Democrático de Direito. Além disso, na quarta, Lula – a jararaca – dá uma picada que ninguém – além dos petistas assíduos – esperavam. Um discurso de quase 3 horas, durante uma coletiva de impressa para comentar os casos ocorridos na segunda e terça, tira do eixo a Terra plana do presidente e seus filhotes. Não há de se negar que Lula sempre foi oposição a Bolsonaro, mas depois daquela quarta, 10 de março, sua figura antagonista ao presidente bradou por todo o mundo – que é uma “bola”, como reafirmou em recado ao presidente negacionista.
O petista, que simbolicamente escolheu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para sua coletiva, conseguiu ser o centro das atenções sem estar na mira de ataques diretos da justiça ou da mídia, e voltou a falar com a grande imprensa nacional após quase 3 anos. Seu discurso foi uma surpresa: não alimentou mágoas, mas não deixou de criticar Moro, a operação, os procuradores, a morosidade do judiciário e o tratamento recebido pela própria imprensa; disse que sua dor por ter perdido esposa, irmão e neto, porém, não se igualava a dor de todas as mais de 270 mil famílias brasileiras destroçadas pelo coronavírus e tantas outras que estão passando fome, e destinou toda sua artilharia ao governo federal, centrado nas figuras dos ministros da saúde, economia e ao presidente. Reafirmou sua posição e ganhou a atenção que queria para ser ouvido. Voltou aos noticiários como exemplo – como o uso da máscara e sua bronca no presidente. Se muitos apostaram na felicidade do Planalto, o que viram foi Bolsonaro acelerar a busca por vacinas, usar máscara, coloca um globo terrestre em sua mesa – sim, risos; porém, a “máscara” vai caindo, como cai a paciência de seus filhos – um deles nos mandou enfiar a máscara no “rab*”, interessante pois a dele vive sumida.
O reflexo que vem sendo dado, seja pelo desespero dos palacianos, das atitudes de aproximação dos personagens da política brasileira ou da simpatia popular vem sendo expresso nas pesquisas, que apontam o descrédito ao governo e as intenções de votos para 2022, onde Lula vem perdendo rejeição enquanto Bolsonaro ganha o desgosto popular, e o ex-presidente já vence o atual por cinco pontos – pesquisa PoderData. Até o Twitter “pede” pra que Lula volte a fazer mais discursos e assim empurre Bolsonaro ao trabalho. Gosto de pensar que alguma borboleta bateu asas e o vento começou a virar. Definitivamente, não bateram na cabeça da jararaca.
Uma ótima semana e bom trabalho, classe trabalhadora.
Esta coluna tem a pretensão de ser colaborativa. Se crê que algum tema da política e dos acasos sociais são de grande relevância, entre em contato, terei o prazer de discuti-los com você e, a depender da conversa, virar assunto de nosso espaço.
Foto: Christophe Petit Tesson