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Desmoronou

Há poucas semanas, comentamos nessa coluna sobre o ‘tiro no escuro’ de Fachin ao anular as condenações do ex-presidente Lula em uma possível tentativa de frear o julgamento de suspeição de Sergio Moro. Ao final dela, porém, dissemos que tal ato “saiu pela culatra” e que deveríamos aguardar as próximas jogadas para entender o quão pela culatra foi. Hoje, passadas semanas do retorno do julgamento, podemos dizer que Fachin, definitivamente, não acertou o alvo que ansiava.

Sergio Moro, ex-juiz federal, atuou em casos como o escândalo do Banestado, mas ficou famoso em todo o país ao assumir os julgamentos de 1ª Instância da Operação Lava Jato e se tornar, por meio da grande mídia, praticamente a cara da operação. Moro, de um quase desconhecido jurista, foi alçado pela televisão -e posteriormente, reacionários da internet- a figura de ‘heroi nacional’, o homem que ia matar o câncer do Brasil: a corrupção. Não devemos tirar o mérito do combate a corrupção pois ela é, dentre outros, o pecado original, que serve de âncora a nosso país, mas é notório, e ninguém pode negar, que Moro não julgava por julgar, como cabe a um juiz, ele tinha gosto pelo personagem que jornais -como os impressos ‘Folha de S. Paulo’ e ‘Estadão’, e televisivos, como o ‘Jornal Nacional’- construíram para ele durante anos, desde que a operação da polícia Federal e do Ministério Público se tornou quase um programa televisionado, como um ‘BBB’ com toques de ‘Lei e ordem’. Alguém que se interessasse unicamente em realizar seu trabalho -um bom trabalho, não daria “tanta trela” para terceiros, como parte da imprensa, ainda mais quando se tratava de investigações tão sérias, profundas e especiais. No caminho oposto, até os movimentos que a operação tomaria chegavam primeiro “aos ouvidos” de emissoras que da própria polícia. Assim seguiu, como um espetáculo, aquelas personas que “acabariam” com a corrupção e os corruptos no Brasil, seguindo a figura -sisuda para opositores; sorridente para Aécio- do imbatível juiz.

Se há algo que pode ser colocado como peça mor para a queda de Moro – esquecendo, claro, todos os desvios de caráter e da lei do ex-magistrado – é a vaidade. A Lava Jato apontou, perante a sociedade, que o Partido dos Trabalhadores, PT, era a espinha dorsal da corrupção no Brasil, e o maior quadro do partido, Lula, a cabeça de tudo -e isso foi literalmente posto em um powerpoint de 2016 do procurador Dallagnol. Por isso, era fundamental que, para a sociedade enxergar aquilo prometido pela operação, Lula fosse condenado. O próprio ex-presidente chegou a dizer a Moro que ele estava “condenado” a condená-lo. Assim o fez em 2017, por “atos indeterminados”, no julgamento do triplex do Guarujá. O ápice, porém, vem no ano seguinte, quando decreta a prisão de Lula, após recursos negados do petista. Havia, porém uma situação ímpar naquele ano: eleições gerais para presidente. As pesquisas apontavam, até pouco antes da prisão, que Lula estava na frente de todos os outros candidatos -ele chegava a ter 40% dos votos no 1º turno, contra 19% de Bolsonaro, em segundo lugar. Após a prisão e confirmação de julgamento na segunda instância, o petista foi impedido pela ‘Lei da ficha limpa’ de concorrer ao cargo. Fernando Haddad, seu vice de chapa, concorreu, chegando ao segundo tuno contra Bolsonaro, que já tinha disparado nas pesquisas. O então deputado foi eleito com mais de 57 milhões de votos contra Haddad, que obteve pouco mais de 47 milhões. Em novembro do mesmo ano, Bolsonaro, como presidente eleito, convida o juiz para um ministério e esse prontamente aceita. A vaidade que Moro tinha por virar herói na TV agora o fazia aceitar ser Ministro da Justiça de um homem eleito presidente após seu principal adversário ser preso meses antes do pleito a mando de quem? Lendo assim parece ficção ou história de novela, mas é a realidade. Tão realidade que explica como chegamos a esse buraco.

Ao longo dos anos, desde o início da operação e a sistemática procura por Lula e o PT, simpatizantes e militantes do partido, mas também juristas sérios, advogados, juízes, apontavam exageros, falta de garantias do direito na forma de condução da Lava Jato, mas a operação era muito bem articulada internamente, não há de se negar. Procuradores e delegados afinados, e investigações incisivas, junto com o marketing construído pela “equipe de comunicação”, vulgo mídia corporativista e determinados jornalistas. Petistas mais inveterados apontavam que só podia haver conluio entre aqueles personagens, com destaque para o juiz, mas até então, apontar o dedo é fácil, difícil seria, criminalmente, mostrar tal ato. Era visível a busca da operação, mas como sabemos, a justiça é vendada. Em 2019, porém, caiu a venda dela após hackers invadirem telefones de diversas autoridades, como Moro e Dallagnol, e o site ‘The Intercept’ iniciar a série ‘Vaza Jato’. Todos os arquivos obtidos posteriormente foram apreendidos pela PF na ‘Operação Spoofing’ e as centenas de diálogos entre juiz e acusação para desestabilizar a defesa do ex-presidente foram expostas. O rei -ou juiz- estava nu. A queda de Moro começa aí. Uma turbulência no governo federal o faz pedir exoneração do cargo de ministro e, passados um ano, agora, sua vaidade está pagando por um preço altíssimo.

A defesa de Lula, que sempre afirmou a existência de acordos entre MP e Moro, havia pedido ainda em 2018 um habeas corpus para o ex-presidente baseado na parcialidade do juiz, e foi esse pedido que nos levou a nomear esse texto. O julgamento, que estava parado por pedido de vista do ministro Kassio Nunes, indicado de Bolsonaro ao supremo, voltou a pauta na última terça, com voto de Nunes contra a suspeição de Moro. O “placar” estava em 3 a 2, contra a suspeição, porém, a ministra Cármen Lúcia pediu a palavra e refez seu voto, logo, com sua mudança de postura e assertivas de Lewandowski e Gilmar Mendes, Moro foi considerado suspeito, ou seja, parcial, no julgamento do ex-presidente Lula. Sua sentença e as provas dos autos processo foram anuladas e não poderão ser reaproveitadas. Desmoronou o ex-juiz federal, herói nacional, que prendeu alguém por delações inconclusivas, ajudou a eleger um maníaco e aceitou um cargo de olho no STF ou na própria presidência. Desmoronou pela vaidade e por desvirtuar o próprio direito. Desmoronou como um castelo de cartas. E o engraçado é que Lula disse a ele, em um de seus depoimentos, que esse momento iria acabar chegando, e tal qual Moro foi acolhido com rapidez por muitos, seria jogado a sarjeta por esses mesmos.

Uma ótima semana e bom trabalho, classe trabalhadora.

Esta coluna tem a pretensão de ser colaborativa. Se crê que algum tema da política e dos acasos sociais são de grande relevância, entre em contato, terei o prazer de discuti-los com você e, a depender da conversa, virar assunto de nosso espaço.

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