As denúncias de presença de imagens de abuso e exploração sexual infantil na internet atingiram um recorde assustador em 2023, marcando o maior número desde que os registros começaram a ser feitos, em 2006. Foram reportadas 71.867 queixas no ano passado, um aumento de 28% em relação ao recorde anterior, estabelecido em 2008, com 56.115 denúncias. Em comparação com 2022, houve um aumento de 77,1%.
Os dados divulgados pela organização não governamental (ONG) Safernet apontam três principais fatores que impulsionaram o aumento das denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil.
Primeiro, as demissões em massa realizadas pelas grandes empresas de tecnologia, que afetaram as equipes de segurança, integridade e moderação de conteúdo em algumas plataformas. Segundo, a crescente prática da venda de imagens de nudez e sexo autogeradas por adolescentes. E terceiro, o uso de inteligência artificial na criação desse tipo de conteúdo.
A especialista no assunto e superintendente de Programas e Relações Empresariais da ONG Childhood no Brasil, Eva Dengler, comenta, em entrevista ao Portal R7, os números dos crimes sexuais contra crianças na internet e destaca a preocupação com o papel das redes sociais.
Ela chama a atenção para o uso da Inteligência Artificial na propagação desses crimes e defende que as plataformas sejam responsabilizadas pelos conteúdos compartilhados e distribuídos online.
“Estamos diante de uma realidade em que a prostituição não é considerada crime, ao contrário de outros países onde é ilegal. Aqui, a prostituição é aceita como uma profissão regular pela sociedade, permitindo que as pessoas trabalhem nessa área voluntariamente para sustentar a si mesmas. No entanto, quando vemos crianças ou adolescentes em situação de exploração sexual, muitas vezes tendemos a raciocinar que estão ali para prover sustento para suas famílias ou atender às suas necessidades básicas. Essa percepção muitas vezes leva à naturalização da exploração sexual, em vez de reconhecê-la como uma violação, porque é vista como uma necessidade da família ou da própria pessoa”, destacou Eva.
A superintendente ainda afirmou que o termo ‘pornografia infantil’ não existe, pois “nenhuma criança quer se colocar nessa posição de produzir material pornográfico para ser vendido”.
“Sabemos que milhares de crianças mais novas do que a idade mínima estipulada estão usando essas plataformas. Portanto, se conectam e interagem nelas. Empresas como Facebook, TikTok, Google e Snapchat — as maiores redes sociais atualmente —, têm feito esforços para prevenir e eliminar esses problemas. Não podemos dizer que elas não fazem nada, elas têm se movimentado nessa direção. Mas a gente tem que entender o porquê de não estar dando certo. Essas plataformas não foram desenvolvidas com o princípio de segurança para crianças e adolescentes. E, uma vez que o sistema não é criado com princípios da segurança, o padrão de processamento torna todos os ambientes inseguros para crianças”, enfatiza.
Ainda de acordo com Eva, além das redes sociais, existem “inúmeras plataformas, a de jogos online, por exemplo, que não fazem nem o mínimo para mitigar os riscos. E aí, as crianças estão cada vez mais expostas, tanto a riscos que podem ser físicos, psicológicos e emocionais”.
Eva aponta que é unânime a defesa da regulamentação das redes sociais entre organizações e especialistas em direito da criança e do adolescente, pois “as empresas de tecnologia têm pouco interesse em proteger as crianças, já que isso pode limitar suas atividades lucrativas”.
“Elas não veem vantagem em criar plataformas que restrinjam suas operações, as quais geram grandes lucros. Isso indica que a segurança e a proteção de crianças e adolescentes não são prioridades centrais no desenvolvimento dos produtos dessas empresas”, destaca Eva.