Certa vez, um dos mais geniais publicitários do mundo fez uma propaganda para um jornal brasileiro. A peça narrava que “é possível contar um monte de mentiras dizendo somente a verdade” (pesquise sobre peça publicitária de Washington Olivetto para o jornal Folha de S.Paulo). Mesmo de 1987, o texto se mantém ainda mais presente em um mundo que a narrativa das redes vale mais que a verdade dos fatos. Recentemente, uma decisão, que em tempos normais pareceria uma portaria comum da Receita Federal, se transformou na vitrine do ‘pós-verdade’: algo que já acontece há décadas em contas bancárias e de cartões de grande circulação seria também implementado ao sistema de pagamento instantâneo do Banco Central, o PIX, para evitar fraudes e sonegações. A forma, porém, como essa notícia foi compartilhada para a população escalonou o nível de desinformação no país e abriu discussões para diversos pontos.
Primeiro: há um problema estrutural do governo federal na forma de se comunicar com o brasileiro. Esse fato é inegável, e o próprio governo corre contra o prejuízo trocando peças importantes do comando da área. Setores inteiros pareciam estagnados no tempo, como se a comunicação atual fosse a mesma de quando Lula assumiu o primeiro mandato, em 2003. Esse, em geral, também é um problema da esquerda, que se vê engolida com a facilidade que outros campos ideológicos tem de entender e dominar os algoritmos digitais. Se antes havia uma disputa contra os grandes e tradicionais monopólios midiáticos de TV, rádio e imprensa, agora a disputa é também individualizada, rede por rede, perfil por perfil, seguidor a seguidor.
Segundo: a questão aprofunda um dos maiores problemas de nosso tempo, a ‘pós-verdade’, que em síntese representa o fato como pano de fundo sem tanta importância aparente frente a narrativa que é montada para o todo. Imagine que o que seria mais um ato administrativo corriqueiro de um órgão burocrático da gestão financeira do país se transformou em uma mentira que está respingando no comércio formal e informal, diminuindo o número de transações no país e causando pânico por conta das diferentes narrativas (e mentiras) se espalhando como fogo em mato seco nas redes sociais.
Terceiro: é sintomático que, mesmo com os problemas de comunicação do governo, figuras do primeiro escalão, como o Ministro da Fazenda e o próprio presidente da República desmentindo a situação, muitos ainda acreditem nas mentiras e na desinformação promovida por setores de oposição, sem minimamente questionar o que estão afirmando. A crise da informação -ou da desinformação contemporânea me parece um mercado extremamente lucrativo, e não falo apenas das intenções financeiras. Após a vitória de Trump nos Estados Unidos, mesmo com sucessivas condenações e falas abertamente mentirosas em sua campanha, magnatas do setor tecnológico, como o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, vieram a público praticamente chancelar suas redes sociais como espaço para disseminação de mentiras, sem checagem de fatos ou responsabilização social em nome de uma suposta ‘liberdade de expressão’.
Se por um lado a demora da resposta do governo e a ainda inexperiente ação da esquerda na internet e redes sociais “ajudaram” a causar certo temor, por outro foi a ação orquestrada da mentira dolosa, de seus propagadores e do impulsionamento por mídias digitais que serviram de fermento para o bolo caótico dos últimos dias. Sidônio Palmeira, que assumiu a chefia da comunicação do governo na última terça, 14, disse que “a verdade, por mais lenta que pareça, é o único antídoto contra a velocidade da mentira”. Acredito em sua receita, mas acrescento que, em nossa quadra histórica, o antídoto para ser eficiente precisa estar envolto em uma cápsula de narrativa boa, bonita e de rápida ação.