Não foram monstros os responsáveis por cessar de forma vil, covarde e extremamente precoce a vida de Natany Alves, de apenas 20 anos, no último domingo em Quixeramobim. Foram homens – e é importante nunca esquecer isso. Fui criado em um lar católico. Frequentei a Igreja e a catequese. Desde pequeno fui ensinado a ter medo do diabo e do inferno. Quando cresci – e à medida que notícias como a que assombrou a todos nós ontem apareceram, cheguei a uma conclusão: o diabo realmente existe, mas diferente das escrituras ele não é um ser mitológico, dotado de chifres, rabo ou tridentes. O diabo é feito de carne, sangue e ossos, e anda entre nós.
Ele não é um só, tampouco nasce sendo assim – ou ao menos na maioria das vezes. Nunca concordei com as teorias e ideias de que viemos a este plano algemados ao determinismo, ou que o mal faz parte do ser humano como uma espécie de traço do DNA, mas acredito que ele, assim como uma casa – num exemplo fugaz – pode ser erguido, alicerçado, construído. Claro, existem casos estudados pela ciência que apontam questões ligadas à psicopatia que podem ter ligação ainda com o desenvolvimento celular ou neurológico, e não sei, até o momento, se isso se aplica ao que ocorreu, mas sim, independente disso, nossa sociedade -que sofre e se espanta- também incuba a crueldade.
Vi muitas pessoas tratando os três assassinos como seres além do que eles são, e isso é perigoso. Perigoso sim, pois retira, em parcela, a culpa desse crime bárbaro dos homens, e a transfere para o abstrato ‘mal’. Aqueles homens, que deverão enfrentar a justiça com rigor – e que, por minha única e exclusiva opinião, deveriam pagar de forma perpétua mofando em uma cela de prisão – nasceram, cresceram e se tornaram os diabos de carne e osso que vimos cometer tal atrocidade. Como vi em uma excelente e reflexiva publicação de um colega, amplamente compartilhada nas redes, esses três homens são sim, além de criminosos, seres que encontraram, nas maldades perpetuadas pela sociedade, brechas para serem libertos.
Tratar o feminicídio sem debater questões estruturais, como o machismo cultural pré-existente e que ainda se faz presente em nosso tempo, é combater com superficialidade crimes chocantes e adiar essa conversa até a próxima vítima ser sequestrada na porta de sua igreja, violentada perto de seu colégio ou morta dentro de sua própria casa. O diabo de carne e osso não representa o mal imaginado ou usado para amedrontar crianças. Ele é, sim, a encarnação dos problemas nunca sanados da humanidade, e fica a espreita da próxima vida que será ceifada em seu nome. Enquanto não tivermos coragem, honestidade e decência para refletir sobre nós mesmos e debater caminhos que mudem de verdade nossas comunidades, cidades e sociedade, estaremos fadados a não ter noites tranquilas e sermos aterrorizados por imagens difíceis de se esquecer.
Lembro dos sonhos, planos e desejos que tinha aos meus 20 anos. Parecia que a vida começava ali, e eu tinha todo o tempo do mundo para concretizá-los. Natany também tinha esse direito. Os 3 homens que a encontraram julgaram que não. Que os sonhos deles se reduzam ao pesadelo da justiça -desse plano e de qualquer outro que exista.
Nossos profundos sentimentos aos familiares, amigos e conhecidos.