Outro dia me peguei pensando nas voltas que a democracia dá e em como, às vezes, ela parece andar de marcha à ré. Era fim de tarde, eu estava sentado na cadeira da calçada, ouvindo a conversa do vizinho, com um olho no noticiário e outro no movimento da rua. Foi aí que me dei conta de uma cena que se repete a cada quatro anos, quase como um ritual: candidatos com dezenas de milhares de votos ficando de fora das casas legislativas, enquanto outros, com votações modestas, garantem suas poltronas no Parlamento.
É claro que logo surgem os defensores do sistema proporcional, como estudiosos, juristas, cientistas políticos e até historiadores com argumentos de que essa forma de votação amplia a representatividade. Dizem que é uma maneira de colocar o gari e o doutor, o agricultor e o empresário, o indígena e o sindicalista lado a lado nas cadeiras do poder legislativo. É bonito no papel. Parece justo, inclusivo, democrático. Mas aí vem a prática e nos joga um balde de água fria: nem sempre o mais votado é o eleito.
E isso, confesso, me embrulha o estômago. Como é que um deputado estadual consegue se eleger com 15 mil votos, enquanto outro, com 40, 50 mil, amarga a suplência? A resposta está em uma equação fria, chamada “quociente eleitoral”. Um cálculo que pouca gente entende, que ninguém explica com clareza, e que termina por distorcer a essência do voto popular. A conta não fecha. A lógica se perde. E a vontade do povo, tão invocada em discursos de palanque, acaba atropelada por números que o povo não escolheu.
E se fosse diferente? Fico pensando: e se a eleição fosse mais simples, mais direta, mais transparente? Se as 46 vagas da Assembleia Legislativa do Ceará, por exemplo, fossem ocupadas pelos 46 candidatos mais votados, sem puxadores de voto, sem coligações, sem a tal matemática partidária? Será que não estaríamos, de fato, respeitando melhor a soberania do voto e a voz das urnas?
Democracia, para mim, é quando o voto vale o que representa. Quando cada cidadão tem a certeza de que sua escolha será respeitada como tal, e não transformada em moeda de troca dentro das engrenagens dos partidos. O atual sistema, embora legal, me parece viciado. Um mecanismo que favorece acordos de bastidores, alianças artificiais e candidaturas com fins meramente estratégicos. A política, que deveria ser o espelho da sociedade, torna-se, muitas vezes, um jogo de números e interesses.
Sei que há quem defenda esse modelo com unhas e dentes. Alegam que ele protege minorias, que evita a concentração de poder, que equilibra as forças. Não sou ingênuo a ponto de ignorar os riscos de um sistema majoritário puro. Mas também não posso calar diante da sensação de que estamos, aos poucos, minando a credibilidade do processo eleitoral. Afinal, que democracia é essa em que o mais votado não vence?
Como cidadão, metido a jornalista, curioso e atento, carrego essa inquietação comigo. Talvez seja teimosia. Ou talvez seja apenas o desejo de ver as coisas funcionando com mais lógica, mais coerência, mais justiça. Falei e tá falado. E, se me deixarem, repito no próximo café. Porque democracia, de verdade, é quando até a dúvida pode ter voz.