Recentemente, ao ouvir uma emissora de rádio, fui surpreendido por uma observação do apresentador que parecia simples, mas carregada de sentido: “Tem gente que só está nas redes para saber da vida dos outros.” A frase, lançada quase como uma crítica casual, expõe com precisão um fenômeno que vem moldando o comportamento coletivo: a ilusão de que a vida só acontece quando está nas redes sociais. A publicação com 20 mil visualizações e 4 mil curtidas parece validar essa percepção. Vivemos tempos em que a existência só parece legítima quando é postada, curtida e comentada.
A exposição constante nas redes sociais criou uma nova lógica de viver, ou melhor, de parecer estar vivendo. São momentos cuidadosamente registrados, com filtros, legendas e trilhas sonoras, que mais se aproximam de roteiros do que de vivências espontâneas. A rotina virou conteúdo. O lazer virou estratégia de engajamento. E os sentimentos, muitas vezes, viraram performance. Há quem não consiga mais viver um momento feliz sem antes pensar em como ele será publicado.
Esse comportamento, que se tornou comum, começa a ganhar contornos patológicos. A dependência por curtidas, a necessidade de aprovação constante e a comparação contínua com os outros têm levado muitas pessoas a estados de ansiedade, frustração e depressão. A frase “a vida foi feita para ser vivida, não postada” não é apenas um conselho sensato — é um alerta urgente. Estamos nos afastando da experiência real para viver uma existência superficial, feita para impressionar, não para sentir.
E em meio a esse espetáculo digital, há um público silencioso que assiste sem participar. São milhares de pessoas que, dentro de suas casas, enfrentam dificuldades básicas: falta de alimento, desemprego, falta de perspectiva. Gente que sequer tem condições de se alimentar com dignidade, mas que todos os dias é exposta a uma vitrine de suposta felicidade e abundância. O impacto disso é cruel. A vida que se vê nas redes não apenas distancia essas pessoas da própria realidade — ela fere, machuca, aumenta a sensação de exclusão. É como se estivessem sendo constantemente lembradas de uma festa para a qual nunca foram convidadas.
As redes sociais, ao invés de promoverem inclusão e empatia, muitas vezes aprofundam as desigualdades. Influenciam a forma como nos vemos e como vemos o mundo. A vida que aparece nos stories e nos feeds é, quase sempre, uma ficção bem editada. Mas para quem está do outro lado da tela, aquilo pode parecer um padrão real, inatingível, que só reforça o sentimento de inadequação.
É por isso que precisamos, com urgência, retomar a autenticidade. Reconectar-nos com a simplicidade da vida vivida, sem filtros, sem aprovação, sem a pressão constante da exposição. Viver não é uma competição de quem posta mais ou quem tem mais visualizações. A vida acontece nos detalhes que não cabem em uma tela: nas conversas francas, no cuidado silencioso, nos gestos invisíveis que jamais serão publicados — mas que são os que verdadeiramente nos definem.
Questionar o uso das redes sociais não é negar sua importância ou utilidade. É apenas lembrar que antes de sermos avatares digitais, somos seres humanos com limites, dores, alegrias e histórias que merecem ser vividas plenamente — mesmo que não rendam curtidas.
Que saibamos viver com mais verdade e menos encenação. Que a felicidade não dependa de algoritmos. E que possamos lembrar sempre: a vida real vale mais do que qualquer postagem.