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Reflexão sobre o conflito entre a onça e os agricultores de Dom Maurício

A onça, espécie ameaçada e protegida por lei, ao buscar sobrevivência em seu habitat cada vez mais fragmentado, acaba vitimando o sustento de famílias que já enfrentam as duras realidades do semiárido

Foto: Leonardo Mercon/Shutterstock.com

O drama vivido pelos pequenos agricultores de Dom Maurício, no sertão de Quixadá, expõe um cenário profundamente injusto e uma falha grave na política ambiental brasileira. A onça, espécie ameaçada e protegida por lei, ao buscar sobrevivência em seu habitat cada vez mais fragmentado, acaba vitimando o sustento de famílias que já enfrentam as duras realidades do semiárido. O prejuízo causado pelo felino não é apenas econômico – é um golpe devastador na frágil segurança alimentar e financeira de quem já vive à beira da precariedade. O dilema é cruel: proteger seu único meio de subsistência e arriscar a severa ação punitiva do IBAMA, ou assistir impotente à destruição de seus rebanhos, sem qualquer rede de apoio. Esta situação coloca os agricultores como vítimas duplas: da natureza e de um sistema que parece ignorar sua existência e seu sofrimento.

A atuação do IBAMA, focada quase exclusivamente na repressão (multas e prisões) após o fato consumado, sem oferecer alternativas viáveis de prevenção ou compensação efetiva, revela uma profunda incoerência e insensibilidade. A Lei de Crimes Ambientais, embora necessária para proteger a biodiversidade, mostra-se cega e incompleta ao não prever mecanismos robustos de amparo às vítimas humanas desses conflitos. É inaceitável que o órgão ambiental, detentor de poder e recursos, se limite ao papel de “polícia punitiva”, imitando a crítica feita a instituições (ex: Direitos humanos) que falham em acolher vítimas, enquanto ignora seu dever de prevenção proativa e mitigação de danos. Urge uma mudança de paradigma: o IBAMA e demais órgãos governamentais precisam urgentemente desenvolver e implementar planos de ação integrados que incluam medidas preventivas (como cercas elétricas eficientes, sistemas de alerta, manejo do habitat), programas de indenização ágil e justa pelos prejuízos comprovados, e suporte técnico contínuo aos produtores rurais de todos os portes. Proteger a onça é imperativo, mas não pode – e não deve – significar abandonar à própria sorte as famílias que alimentam o país e que têm tanto direito à dignidade e à proteção do Estado quanto o felino. A verdadeira conservação ambiental só se sustenta quando harmoniza a proteção da fauna com a justiça social e o apoio concreto às comunidades humanas impactadas.

Ao IBAMA: É inaceitável que a proteção de uma espécie ameaçada se dê às custas da miséria de famílias já vulneráveis. A atuação deve ser holística: proteger a onça e proteger o sertanejo. Isso exige recursos, planejamento territorial, diálogo constante com as comunidades e, acima de tudo, ações concretas de prevenção e reparação que demonstrem que o Estado está presente para todos os cidadãos e para o equilíbrio do ecossistema. A solução não está na ponta do fuzil, mas na ponta da caneta que assina políticas públicas eficazes e compassivas.

Wanderley Barbosa
Jornalista e Radialista Profissional
Delegado do SINDRADIOCE
Presidente da AISC e Associado da ACI

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