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O “pó branco” do nosso tempo: quando o celular vira a nova droga

Aplicativos, redes sociais e jogos foram cuidadosamente desenhados para gerar dependência. Cada notificação funciona como uma “dose” que ativa o cérebro, libera dopamina e provoca uma sensação de prazer imediato

Foto: Reprodução

Sentado em um banco de shopping, deparei-me com uma cena que me deixou perplexo. Um avô, aparentemente culto e espirituoso, conversava com seu neto — uma criança. Entre risadas, disse: “Fulano, senta aí e curte muito a sua cocaína, aproveita e dá uma cheirada caprichada.”

A princípio, pensei ter ouvido mal. Mas não. O senhor de fato comparava o celular da criança a uma droga ilícita. E, para ser sincero, só acreditei porque estava presenciando.

A fala, carregada de ironia, expôs uma verdade dolorosa: o celular se tornou, para muitos jovens (e também adultos), um vício tão poderoso quanto qualquer substância química. O que parecia apenas uma piada inocente traduz o retrato de uma geração mergulhada em telas, muitas vezes incapaz de se desconectar.

Vivemos em um mundo em que a exploração da atenção se tornou um dos maiores negócios do planeta. Aplicativos, redes sociais e jogos foram cuidadosamente desenhados para gerar dependência. Cada notificação funciona como uma “dose” que ativa o cérebro, libera dopamina e provoca uma sensação de prazer imediato.

Os jovens, em especial, estão crescendo nesse ambiente tóxico. A infância, que antes era preenchida por brincadeiras de rua, conversas e descobertas reais, hoje se resume a horas diante de uma tela. O brincar foi substituído pelo deslizar de dedos. O mais grave é que esse processo não acontece de forma clandestina, como ocorre com drogas ilegais. Pelo contrário, é amplamente estimulado, vendido e normalizado.

As grandes empresas de tecnologia transformaram nossos filhos e netos em consumidores compulsivos de tempo. Plataformas “gratuitas” se financiam à custa da publicidade, explorando dados pessoais e manipulando comportamentos. O jovem deixa de ser sujeito de sua própria vida e passa a ser produto, medido em cliques, curtidas e engajamento.

Esse vício moderno já mostra consequências profundas: aumento da ansiedade, depressão, dificuldade de concentração e fragilidade nas relações humanas. É uma epidemia silenciosa que atravessa classes sociais e molda o futuro da sociedade.

O diálogo do avô no shopping me fez pensar: talvez estejamos diante de uma geração inteira sendo viciada com a conivência de todos. O senhor, ao ironizar o celular, reconhecia a gravidade do problema, mas, como muitos de nós, já parecia resignado.

O desafio que se impõe é gigantesco. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de encontrar equilíbrio. Precisamos resgatar o valor do olhar no olho, da conversa sem distrações, do tempo livre sem tela. Mais do que nunca, é urgente educar para a consciência digital.

Se antes a luta era contra as drogas nas ruas, hoje precisamos enfrentar também as drogas invisíveis que carregamos no bolso.

A cena que presenciei foi, ao mesmo tempo, engraçada e triste. Engraçada pela criatividade da comparação do avô. Triste porque traduz uma realidade que nos atravessa: jovens sendo capturados por um vício socialmente aceito, incentivado e explorado.

Que esse episódio sirva de alerta. O mundo que estamos construindo para as próximas gerações depende da nossa capacidade de enfrentar essa nova forma de dependência. Afinal, de que adianta preparar jovens para o futuro, se o presente deles está sequestrado por uma tela?

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