Num cenário de embalagens coloridas e euforia consumista, a pergunta mais crucial do Dia das Crianças permanece sem voz: onde estão, de fato, os pais e as crianças que deveriam estar no centro desta celebração? A data, que deveria ser um monumento à infância e aos laços familiares, transformou-se muitas vezes no ápice de uma desconexão silenciosa. Entre a entrega do presente e o brilho nos olhos momentâneo, esconde-se um vazio que o objeto sozinho não preenche, levantando a dúvida sobre quantos estão verdadeiramente presentes, e não apenas fisicamente.
Esta inquietação nasce da comparação com um passado recente, onde “pai e mãe” eram conceitos encarnados em presença constante. Eles não eram provedores distantes, mas pilares tangíveis do quotidiano, que conheciam os sabores da alegria e os contornos dos medos de seus filhos. Sua autoridade não era ditada pelo medo, mas cultivada pelo respeito e pela orientação diária. Eram eles os primeiros a ouvir as histórias do parquinho, a celebrar um desenho rabiscado e a sarar machucados da alma com o bálsamo simples de um abraço. A família era um porto seguro feito de olhares e escuta, não de wi-fi e notificações.
Hoje, contudo, um perigoso teatro do “faz de conta” domina muitos lares, que se reduziram a dormitórios onde coexistem estranhos. Os pais, imersos em suas próprias batalhas profissionais e distraídos pelo universo paralelo dos seus dispositivos digitais, tornaram-se turistas no universo interior de seus filhos. O que se passa no coração e na mente daquela criança, suas angústias secretas e seus sonhos nascentes, é com frequência um território desconhecido. E, num dos maiores paradoxos da parentalidade moderna, essa ignorância parece ser acompanhada por uma resignação triste, uma aparente falta de interesse em reverter esse afastamento.
Neste vácuo de afeto e atenção genuínos, instalou-se uma nova e poderosa família: a internet e as redes sociais. Para essa “família digital”, nossas crianças e adolescentes levam suas dúvidas existenciais, buscam validação para sua autoestima e constroem seus códigos de ética e comportamento. Estamos, assim, patrocinando o surgimento de uma “cultura” desumana em sua essência, que substitui o calor do colo pelo frio brilho de uma tela. O resultado desta migração emocional é visível: uma geração marcada por índices alarmantes de ansiedade, uma solidão existencial profunda e uma desconexão abissal daqueles que lhes são mais próximos por laço de sangue.
Chegam da escola e se enclausuram em quartos que se tornam suas verdadeiras pátrias. Seu mundo, sua tribo, sua nação, está contida na tela de um smartphone. Os pais perderam, nesse processo, muito mais do que o controle; perderam o privilégio de acompanhar a jornada de crescimento. A convivência, rica em imprevistos e aprendizados mútuos, foi substituída por uma mera coexistência física, transformando a casa em um cenário vazio onde personagens solitários desempenham seus papéis sem se reconhecerem.
Ironia das mais cruéis, somos nós, os próprios pais, quem financiamos voluntariamente este nosso próprio exílio. No passado, presenteados com brinquedos que incentivavam a brincadeira ao ar livre e, muitas vezes, a interação familiar. Hoje, presentamos nossos filhos com o próprio instrumento da nossa obsolescência afetiva: o último modelo de celular. Oferecemos, de mãos beijadas, o portal que os levará para longe de nós. Eles não nos trocam por qualquer um; trocam-nos por uma legião de influenciadores, youtubers e amigos virtuais que se tornam seus heróis, confidentes e, no limite, sua verdadeira família de referência. O maior presente que podemos dar, o da presença, é negado em troca do objeto que mais nos afasta.