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“Não é porque estamos no Brasil que tudo vai acabar em samba”: Quando a ficção reforça ou complica a imagem do país

Os Donos do Jogo acerta ao despertar debate. Porém, cabe ao público ir além da superfície e usar a ficção como ponto de partida para compreender causas e efeitos, e não como confirmação de rótulos

Foto: Divulgação/Netflix

A série Os Donos do Jogo, da Netflix, mergulha no universo do jogo do bicho e nas disputas de poder que se expandem muito além das bancas de apostas. Com uma narrativa apoiada em pesquisa e em elementos inspirados na realidade, a produção apresenta um Brasil onde ambição, violência e influência política se encontram nos bastidores da contravenção.

No centro da trama está a trajetória de um jovem ambicioso que enxerga na criminalidade uma oportunidade de ascensão. A partir daí, o espectador acompanha confrontos entre famílias poderosas, alianças perigosas e as ramificações de um sistema que, para além de ilegal, se torna peça estratégica no tabuleiro político e econômico do Rio de Janeiro.

A série capta mecanismos amplamente conhecidos da vida real, como heranças criminosas, pactos de silêncio, conivência de setores públicos e o uso da força para assegurar negócios. É justamente esse diálogo com o noticiário que dá autenticidade à obra e provoca reflexões relevantes sobre o país que ela retrata.

Entretanto, falas como o trecho citado reforçam um ponto que merece atenção. Ao dramatizar a corrupção como algo quase natural no Brasil, a série corre o risco de alimentar estereótipos que simplificam problemas complexos. A corrupção não é exclusividade nacional e não pode ser explicada apenas por mentalidade cultural. Há fatores históricos, desigualdades profundas, falhas institucionais e disputas de poder que precisam ser considerados para que o debate avance de maneira madura e responsável.

A grande audiência e o impacto cultural da produção tornam esse equilíbrio ainda mais necessário. Obras populares moldam percepções dentro e fora do país. Quando a realidade é transformada em entretenimento, o espectador precisa reconhecer que o Brasil mostrado ali é crítico e perturbador, mas não absoluto. Existem instituições fortes em movimento, investigações que desmontam esquemas e esforços sociais e legais para combater práticas criminosas arraigadas.

Os Donos do Jogo acerta ao despertar debate. Porém, cabe ao público ir além da superfície e usar a ficção como ponto de partida para compreender causas e efeitos, e não como confirmação de rótulos. Assim, o entretenimento se torna ferramenta de reflexão e também de transformação do Brasil real.

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