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Assédio nos transportes: um problema diário que exige ação imediata

Sabemos que uma lei sozinha não transforma a realidade. Lei que não vira prática vira papel. E papel não protege ninguém. Assédio não é exceção: é rotina. É uma violência cotidiana que atinge estudantes, mães, adolescentes, trabalhadoras. É uma agressão que não deixa marcas visíveis, mas produz danos profundos e duradouros

Foto: Michelle Stival/CMC

Há temas que, por mais que avancem na agenda pública, insistem em bater à porta da sociedade com uma força que nos obriga a encará-los novamente. O assédio sexual nos transportes coletivos é um deles, um problema tão antigo quanto invisibilizado, tão comum quanto naturalizado, tão grave quanto subnotificado. O Ceará tem assistido, com perplexidade e indignação, a uma sequência de episódios que revelam a urgência de medidas mais firmes. A matéria “Assédio Recorrente”, publicada pelo Diário do Nordeste, escancarou três casos de importunação sexual em menos de 24 horas. E sabemos: se três vieram à tona, dezenas permanecem engolidas pelo silêncio.

Esse silêncio tem números. Mais de 8,9 milhões de brasileiras já sofreram assédio ou importunação sexual em espaços públicos. Cerca de 36% das mulheres relatam ter vivido alguma forma de assédio no transporte. Uma em cada quatro já foi vítima de violência sexual em ônibus ou metrôs. E o dado que mais nos envergonha: apenas 10% conseguem denunciar, segundo o Instituto Patrícia Galvão. Ou seja, para cada registro oficial, outros nove desaparecem no caminho entre o medo e a impunidade.

Diante desse cenário, não há espaço para respostas tímidas. Por isso, apresentei à Assembleia Legislativa o Programa de Combate ao Assédio Sexual nos Transportes Públicos do Ceará, uma política pública que nasce da compreensão de que segurança não pode ser privilégio, precisa ser direito. O programa estabelece ações integradas entre a Secretaria das Mulheres, a Secretaria de Proteção Social e a Secretaria da Segurança Pública, criando um fluxo permanente de prevenção, denúncia e responsabilização.

Entre as diretrizes, está a ampliação de campanhas educativas dentro dos ônibus, trens e metrôs; a capacitação de motoristas, fiscais e gestores para identificar e agir diante de condutas de assédio; e, sobretudo, o fortalecimento tecnológico do botão Nina, ferramenta que, quando acionada, ativa automaticamente a gravação das câmeras internas e envia as imagens diretamente à Polícia Civil, garantindo à vítima o que tantas vezes falta: prova.

O programa também assegura canais de denúncia acessíveis e anônimos, acompanhamento das ocorrências e pesquisas com usuárias para avaliar e aprimorar as ações. Nos municípios do interior, as estratégias serão adaptadas às particularidades locais, porque proteger mulheres é um dever que não pode se limitar às grandes cidades.

Sabemos que uma lei sozinha não transforma a realidade. Lei que não vira prática vira papel. E papel não protege ninguém. Assédio não é exceção: é rotina. É uma violência cotidiana que atinge estudantes, mães, adolescentes, trabalhadoras. É uma agressão que não deixa marcas visíveis, mas produz danos profundos e duradouros.

O combate ao assédio sexual nos transportes não pertence a um governo, a um mandato ou a uma instituição. Ele pertence a todas as mulheres que fazem do ônibus o caminho para sobreviver e construir a própria vida. Esse é um compromisso coletivo, e, sobretudo, um compromisso de justiça.

Acrísio Sena
Historiador e dirigente estadual do PT

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