O recente episódio envolvendo Zezé Di Camargo e o SBT vai além de um fato isolado do entretenimento brasileiro. Ele escancara um debate mais amplo, delicado e necessário: até que ponto a política, seus aliados e suas disputas devem atravessar famílias, relações de trabalho, concessões públicas e a vida cultural do país?
Zezé Di Camargo não é apenas um artista consagrado. É, antes de tudo, um cantor do povo. Sua trajetória foi construída a partir da música popular, do rádio, da televisão aberta e de uma relação direta com milhões de brasileiros que se reconhecem em suas canções, histórias e origens. O público que o acompanha é plural política, social e culturalmente. E é justamente aí que mora a complexidade do caso.
O SBT, por sua vez, não é apenas uma empresa privada de comunicação. Trata se de uma emissora que opera por meio de uma concessão pública. Isso significa que, embora tenha linha editorial própria, programação definida e interesses comerciais legítimos, utiliza um espaço que pertence, em última instância, à sociedade brasileira. Sua função social, portanto, não pode ser ignorada.
No centro dessa equação está o Brasil real, governado por uma autoridade legitimamente eleita pelo voto popular: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Independentemente de simpatias ou discordâncias, trata se do chefe de Estado e de governo do país. Esse dado não é ideológico; é institucional.
O desconforto surge quando posições políticas de artistas, empresários, famílias ou grupos passam a interferir diretamente em relações profissionais consolidadas, em contratos, em espaços culturais e em concessões públicas. Até que ponto opiniões individuais podem ou devem determinar quem aparece, quem cala, quem permanece ou quem sai?
A política é, por natureza, plural e conflituosa. Mas quando ela transborda de forma desenfreada para o campo das relações pessoais e profissionais, o risco é alto: perde-se o diálogo, enfraquece-se a tolerância e empobrece-se o espaço público. O artista deixa de ser artista. O comunicador deixa de comunicar. O público deixa de ser público e passa a ser apenas torcida.
Não se trata de defender o silêncio, nem de negar o direito à opinião. Muito menos de apontar vilões ou vítimas absolutas. Trata-se de refletir sobre limites. Zezé não deixa de ser um símbolo da música popular brasileira por suas posições pessoais. O SBT não perde sua relevância histórica por decisões editoriais. E o Brasil não deixa de ser uma democracia porque seus conflitos vêm à tona.
O que talvez esteja cada vez mais difícil de assimilar é essa mistura constante e radicalizada entre política, afeto, trabalho e concessões públicas, onde tudo parece ser medido pela régua do alinhamento ideológico. Quando isso acontece, todos perdem um pouco: o artista, a emissora, o público e a própria democracia.
O caso Zezé-SBT não pede cancelamentos nem aplausos automáticos. Pede reflexão madura. Pede equilíbrio. E, sobretudo, pede consciência de que o Brasil é maior, mais diverso e mais complexo do que qualquer disputa momentânea. É nesse entendimento que talvez esteja o caminho para que a política volte a ser debate e não ruptura no cotidiano do país.
