Home Artigo A erosão da alma junina: um apelo pela identidade nordestina

A erosão da alma junina: um apelo pela identidade nordestina

A contratação de cantores de renome nacional com cachês milionários, muitas vezes bancados por verbas públicas questionáveis, não apenas apaga a nossa cultura, mas a substitui por um repertório alheio, desconectado do significado sagrado e profano da festa

Foto: Divulgação

As festas juninas no Nordeste, outrora celebrações profundamente enraizadas no chão do sertão e na alma do seu povo, enfrentam um processo preocupante de descaracterização. O São João, o Santo Antônio e o São Pedro genuínos, tecidos com os fios da tradição – a quadrilha marcada pelo passo matuto, o forró pé-de-serra que convida ao arrasta-pé, as comidas típicas que são um ritual, as simbologias do fogo e da fé – estão sendo sufocados por um espetáculo vazio. Transformaram-se num mero “festival de fantasia”, onde coreografias importadas e estéticas pasteurizadas substituíram a autenticidade. A contratação de cantores de renome nacional com cachês milionários, muitas vezes bancados por verbas públicas questionáveis, não apenas apaga a nossa cultura, mas a substitui por um repertório alheio, desconectado do significado sagrado e profano da festa. Este investimento desproporcional, por vezes mais próximo de uma promoção eleitoral do que de uma política cultural, dilui a identidade única do nosso São João, reduzindo-o a um evento genérico e barulhento.

Esta dinâmica perversa não só apaga nossas tradições, mas também desvaloriza e desmotiva os verdadeiros guardiões da cultura nordestina: nossos artistas locais. Enquanto astros de outras paragens embolsam milhões, os mestres do forró, os sanfoneiros, os poetas de bancada e os grupos de quadrilha tradicional são relegados a participações simbólicas ou a cachês insignificantes, quando são chamados. É uma injustiça que fere a economia cultural local e desestimula a transmissão do saber tradicional. Por isso, ecoando o grito do sertão, faço um veemente apelo: IMPRENSA do Ceará, cumpram seu papel vital de denunciar este desmonte e de dar voz e visibilidade aos nossos artistas e tradições! E aos prefeitos de Quixadá e do Sertão Central: é hora de repensar as prioridades. Valorizem os nossos artistas com remuneração justa e digna! Invistam na base da nossa cultura, nas quadrilhas tradicionais, nas bandas locais, nos mestres da sanfona. Só assim as festas juninas resgatarão seu verdadeiro sentido: celebrar, preservar e vibrar com a força inigualável da nossa identidade nordestina, mantendo viva a chama do nosso sertão. A cultura não é gasto, é investimento na alma coletiva.

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.” (Martin Luther King Jr.)

Wanderley Barbosa
Jornalista e Radialista Profissional
Delegado do SINDRADIOCE
Presidente da AISC e Associado da ACI

Deixe seu comentário:

Please enter your comment!
Please enter your name here