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A Casa do Povo ou o Circo dos Absurdos? Uma reflexão sobre as Câmaras Municipais

As gafes, os projetos de lei surrealistas e os discursos desconexos tornam-se constantes, reduzindo a casa legislativa a um circo midiático. Esses absurdos não são meros acidentes de percurso. Eles são a face mais visível de um problema estrutural: a política é a única carreira que não exige qualificação técnica mínima

Foto: Mateus Dantas/CMFor

Não é de hoje que assistimos, com uma mistura de pasmo e indignação, a cenas absurdas se desenrolarem no plenário das câmaras municipais pelo Brasil. Vereadores são legitimamente eleitos pelo voto popular, mas há uma desconexão profunda e perigosa: a população, em grande parte, ainda não compreendeu a função essencial desse poder legislativo local e a sua importância vital para o funcionamento da democracia em nossa cidade.

O primeiro e mais grave equívoco não está na Constituição, mas enraizado em uma cultura política desgraçada e institucionalizada. Trata-se da percepção, amplamente aceita, de que o vereador eleito tem apenas dois caminhos: ser “do prefeito” para receber benesses e recursos para sua base, ou ser “contra o prefeito” e ser punido com o ostracismo político e a seca de verbas. Esta visão distorcida transforma o mandato, que deveria ser de fiscalização e proposição, em uma moeda de troca, esvaziando seu verdadeiro propósito e traindo a confiança do eleitor.

Essa lógica perversa se reproduz nos próprios mecanismos de funcionamento da casa. A verba para assessores, garantida por lei municipal, raramente é usada para montar uma equipe técnica qualificada. Frequentemente, converte-se em um cabide de empregos para apadrinhados ou no cumprimento de promessas de campanha que nada têm a ver com competência. O resultado são gabinetes inchados com pessoas despreparadas, incapazes de assessorar adequadamente o parlamentar na complexa tarefa de legislar e fiscalizar. A qualidade do trabalho legislativo é a primeira vítima.

E então, o palco está armado para o espetáculo do absurdo. As gafes, os projetos de lei surrealistas e os discursos desconexos tornam-se constantes, reduzindo a casa legislativa a um circo midiático. Quem não se lembra do vereador de Fortaleza que pediu um minuto de silêncio pela morte de um cidadão que, na verdade, estava vivo e bem? Ou do colega de Caruaru que, com todas as letras, declarou que seu eleitor “foi dormir e acordou morto”? São episódios cômicos na superfície, mas tragicamente sintomáticos de uma subversão completa da função pública.

Esses absurdos não são meros acidentes de percurso. Eles são a face mais visível de um problema estrutural: a política é a única carreira que não exige qualificação técnica mínima. Basta a popularidade conquistada por meio de ações duvidosas ou recursos financeiros para bancar uma campanha eleitoral. O preparo para administrar milhões em recursos públicos, para elaborar leis que impactam a vida na cidade e para fiscalizar o poder executivo torna-se um detalhe irrelevante.

É urgente, portanto, que a sociedade faça uma reflexão profunda sobre este sério assunto. A conclusão é alarmante: nossa vida, nosso bem-estar, nossa saúde e a educação de nossos filhos estão, em grande medida, nas mãos de pessoas despreparadas para tal missão. O destino dos nossos municípios não pode ser um prêmio para a popularidade oca ou para o poder econômico.

Enquanto não exigirmos, como sociedade, seriedade, formação e compromisso ético de nossos representantes, continuaremos reféns de um sistema que, no nível mais básico da democracia, privilegia o absurdo sobre o racional, o interesse particular sobre o bem comum. A casa do povo não pode se tornar o templo da incompetência. A mudança começa pelo voto consciente e pela vigilância constante.

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