“Na política e na história, a narrativa sempre será uma das protagonistas”. Foi assim que terminei a primeira parte desse texto. A busca pelo domínio da narrativa sempre foi uma das maiores na nossa sociedade. Na obra ‘1984’, George Orwell escreve que “Quem domina o passado, domina o futuro; quem domina o presente, domina o passado”, mas quem domina nosso presente, o fez de qual forma? Ganhando o discurso, e só se ganha ele quando a narrativa permite. Chegamos a nosso segundo ponto de discussão nesse quase “exercício de adivinhação” sobre o Brasil de 2022: como o voto que daremos esse ano poderá mexer em nossa próxima ida à cabina de votação.
O Brasil passa por severas crises. Sim, no plural. Uma crise econômica que parece não ter fim, outra política que perdura desde 2015 – mas que teve início antes, com os fatídicos R$ 3,20 de 2013; uma crise social e hoje, também, identitária. Identitária, pois desde os últimos pleitos nosso país rachou em vários pedaços e as diferenças, desde os níveis municipais aos regionais, nunca foram tão evidentes. É como se o pacto federativo estivesse ruído, os estados fossem sistemas dentro do cosmos chamado Brasil e as cidades, tornam-se ringues de uma luta que obriga a população a escolher entre dois lados – não que eu defenda isso, pelo contrário, sou amante das nuances que a vida deve ter em todos os seus aspectos, mas criou-se um cenário onde existem bem e mal, verdades absolutas, e todas aquelas 3ªs vias parecem estar perdidas entre a cruz e a espada. Claro que devemos compreender como chegamos a esse ponto, mas esse é assunto de um próximo artigo. Por ora, devemos nos atentar ao que temos, e esse, mesmo longe do ideal, é o ambiente que dispomos.
Na parte anterior, falei sobre as eleições dos Estados Unidos. Mas se logro fazer uma análise com um objeto externo – no caso o próprio EUA – não mais é do que minha obrigação fazer também com um interno, e que, diferente do impacto imagético do anterior, nos atinge diretamente: as eleições municipais. Dadas as circunstancias, em decorrência da pandemia do coronavírus, o Tribunal Superior Eleitoral abriu possibilidade para o adiamento do sufrágio desse ano, tal que, meses depois, o Congresso Nacional aprovou a emenda do adiamento. Agora, iremos às urnas em uma data simbólica para a identidade da eivada nação: 15 de novembro, feriado da Proclamação da República. Mais de 140 milhões de brasileiros aptos a votar escolherão no dia seus representantes nas Câmaras de vereadores e os chefes do poder Executivo de suas cidades. 5.570 municípios, espalhados pelos mais de 8,5 milhões de km² do Brasil terão eleitos novos ou reeleitos prefeitos pelos próximos quatro anos. E essa representação, o clima da eleição e a vontade da maior parte da nação nos indicará o que virá em 2022.
Levando para a prática, se um partido ‘A’ elege representantes no executivo em todos os municípios brasileiros – o que até hoje foi historicamente impossível – ainda sim não existirão garantias que esse mesmo partido eleja a próxima ou o próximo presidente da República, contudo, devemos perceber e admitir a forte influência que tal legenda terá em um futuro pleito. Essa foi uma forma simplificada de analisar os possíveis cenários que teremos a partir de janeiro de 2021. O presidente Bolsonaro fez recentes declarações em que afirma que não participará ativamente das campanhas desse ano, ao menos no 1º turno. Bolsonaro faz isso por uma série de motivos, fora os ditos oficiais – como o trabalho de combate a pandemia. Primeiro, o presidente não conseguiu homologar a criação de seu partido, o malfadado ‘Aliança pelo Brasil’, que conseguiu apenas 3 mil fichas aceitas pela justiça eleitoral das quase 500 mil necessárias para seu reconhecimento; outro motivo seria a blindagem da imagem do presidente, desgastada por suas polêmicas declarações e escândalos familiares. Bolsonaro seria duplamente derrotado se apoiasse um candidato e ele perdesse o pleito já em 1º turno. Nada garante que o presidente não trabalhará nos bastidores tentando, a seu modo (leia-se ‘entrega de ministérios’), costurar alianças para seus favoritos nas grandes metrópoles.
Assim sendo, o espaço fica vago para que os partidos que compõem o bloco de oposição ao governo Federal partam para o duro embate nas urnas. Com a fala chancelada de ser contra um governo comprovadamente impopular – seja pela falta de engajamento social, ou pelas pesquisas mostrando que a taxa de aprovação do presidente não consegue ultrapassar a faixa dos 40% – os partidos de esquerda e centro tentarão ganhar o mando de cidades chave para 2022, como as capitais e regiões metropolitanas, mas o grande objetivo é conquistar o maior número possível de prefeituras, na tentativa de fortalecer os nomes e as qualidades de seus partidos. Claro, é uma via de mão dupla: ao mesmo tempo que o partido ‘A’, já citado, tenha ganho em várias cidades, isso não garante uma boa gestão da parte de seus quadros, o que mancharia a imagem de tal partido em futuras eleições. E não, esses fatos não seriam isolados, ou a gestão de Bolsonaro não seria “abençoada” com esse pensamento de que eleições municipais adiantam cenários, basta fazer um retrospecto. No último pleito municipal, em 2016, por exemplo, o PT perdeu mais de 50% das cidades que havia ganho em 2012 – seja pelo recente, à época, impeachment da presidente Dilma, ou pelo ápice da lava-jato bombardeando constantemente o partido. O fato é que o que aconteceu naquele ano refletiu a vontade popular em 2018, que mesmo levando a sigla ao 2º turno, por fim desejou oxigenar os quadros da União (mesmo que fazendo isso elegendo um deputado que estava há 30 anos no Congresso).
Sim, é possível e plausível que, em um eventual ganho da oposição, Bolsonaro tenha ainda mais dificuldades em seu projeto de reeleição. Claro, pois quem levar as prefeituras esse ano terá levado consigo a arma que comentei no início desse texto: o discurso e a narrativa. Lembra que quem domina o presente, domina o passado? E quem domina o passado, domina o futuro? Então, prefeitas e prefeitos, vereadoras e vereadores terão em suas mãos um aliado, as próprias máquina e opinião públicas, e isso será essencial na grande ‘caçada ao Planalto’ de 2022. Mas sempre cabe o aviso de amigo: em um país como o nosso, nada é garantido, nem na política, nem no futebol ou mesmo no auxílio emergencial de quem mais precisa em tempos de Pandemia.
Esta coluna tem a pretensão de ser colaborativa. Se crê que algum tema da política e dos acasos sociais são de grande relevância, entre em contato, terei o prazer de discuti-los com você e, a depender da conversa, virar assunto de nosso espaço.
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