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Ainda estamos aqui. E continuaremos

Fernanda Torres não ergueu apenas um troféu dourado ao comemorar sua merecida vitória no Globo de Ouro. Muito mais que isso, ela deu voz às milhares de vítimas silenciadas, torturadas, assassinadas pela ditadura sanguinária brasileira, e suas famílias rasgadas pela dor da dúvida e do luto. Fernanda ergueu o Brasil que ainda está aqui

Foto: Matt Winkelmeyer/WireImage

Desde que sua performance representando a advogada e ativista dos direitos humanos, Eunice Paiva, estreou nos cinemas no longa ‘Ainda Estou Aqui’, de Walter Salles, Fernanda Torres -que já era uma estrela no Brasil, capitalizou para si os holofotes do mundo. Sua atuação avassaladora, aliada a magnífica obra cinematográfica, renderam aclamações e dezenas de minutos de aplausos de pé, em festivais mundo a fora. Agora, consolidando todo esse trabalho, a filha da única atriz brasileira indicada ao Oscar, foi a primeira do país a ser premiada como melhor atriz dramática do cinema pelo Globo de Ouro.

Surpresa para muitos -incluindo a própria Fernanda, a premiação ocorrida no último domingo, 5, colocava a atriz em uma disputa contra gigantes do cinema mundial. Em seus agradecimentos, dedicou seu prêmio à Fernanda Montenegro, e fez questão de frisar que ‘Ainda Estou Aqui’ é um filme que nos ajuda a pensar em como sobreviver em tempos de medo. Tempos esses que, podem tardar, mas insistem em voltar a bater em nossa porta e dos quais temos o dever de enfrentar.

Estudando um pouco sobre cinema e história, para meu trabalho de conclusão de curso, pesquisei sobre a importância dos filmes como fontes, alternativas narrativas, imagens representativas, produto de mercado, impacto social, mas talvez, olhando em retrospecto, me faltou tentar entender um pouco mais dele como instrumento de sensibilização. Falo isso pois, particularmente, diversos filmes me fizeram chorar. ‘Ainda Estou Aqui’ e a atuação visceral, angustiante e de total entrega da Fernanda me fizeram segurar o máximo que pude a emoção, até desabar nos créditos. Mesmo sem nenhuma ligação com a família Paiva, senti a dor deles, e de tantas outras famílias brasileiras destruídas pela ditadura civil-militar de 1964.

Tão defendida por imorais extremistas que merecem como fim a lata do lixo da história humana, a ditadura e seus personagens são uma ameaça constante no filme, mesmo antes da virada arrasadora da trama. Senti, durante as duas horas de sessão, as sensações de medo, angustia, cegueira, raiva, ira, alívio e vazio. O elenco inteiro do filme, especialmente Selton Mello, entregam muito, mas Fernanda e sua Eunice são nossa alma lá dentro. A atriz, que nos fez sorrir tanto em obras de comédia, encarna não apenas a mãe de Rubens Paiva, mas um Brasil inteiro que foi silenciado, perseguido, torturado, assassinado e descartado em nome da cortina de fumaça chamada “ameaça comunista”.

Não à toa, sua premiação, que causou comemorações em plena madrugada de norte a sul do país, está sendo atacada, especialmente no espaço abjeto da internet, por extremistas de direita, raivosos, invejosos e bajuladores de coturno, do neoliberalismo falido e do autoritarismo de outrora. Há muito tempo um prêmio não deixava tão claro como ainda estamos aqui -e iremos continuar, para o desprazer de muitos que não entenderam sua insignificância. 

Sua vitória e alegria, diferente do que esses cães raivosos bradam, representa sim o Brasil e os brasileiros, tanto que o depoimento que mais me impactou acerca do prêmio na TV foi de uma senhora, em fala no Jornal Nacional, que disse que ali não via Fernanda Torres, mas sim a si mesma: “É o meu Brasil! […] era pra mim aquele troféu, era pra todos os artistas, eu achei que era nosso!”. Fernanda me fez chorar duas vezes. Espero que me faça outras.

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