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O brasileiro e o sapo fervido

Em 2013, o valor das passagens de ônibus nas capitais foi aumentado – o mais famoso foram os 20 centavos; como resposta, o povo foi às ruas. Em 2015 o país passa por severas instabilidades financeiras, como déficit das contas públicas e as acusações de corrupção no governo federal; o resultado? A disparada imediata do dólar, combustível, produtos em geral, e a resposta? Mais uma vez, uma massa foi para às ruas, bradar o Impeachment da então presidenta. Agora, vivemos uma situação singular: os combustíveis aumentam, mas a passos quinzenais, não imediatos; os alimentos disparam, em um galope mais ágil; o desemprego atinge marcas históricas e o governo não recupera a economia. Sabe qual a resposta do povo dessa vez? A inércia.

A inércia, um conceito físico que faz parte das leis de Newton, diz que um objeto tende, de forma natural, a permanecer em seu estado de origem, seja em repouso ou movimento. No nosso caso atual, haja repouso. Estamos parados, alguns boquiabertos, outros sem nenhum pudor ou espanto, acompanhando a passos lentos -alguns nem tanto- como nosso país segue. Na última semana, comentei que o Brasil seguia; sem rumo, mas seguia, e nós estamos rumando com ele ao desconhecido. Vendo a cada dia a deterioração de direitos – civis, trabalhistas, etc; a política de austeridade do governo, que patina entre um neoliberalismo enfadonho e morfético de Guedes, e a mão severa e ‘de caviar’ do alto escalão militar; o Estado sendo corroído por desvios, privilégios, decisões errôneas, falas estúpidas – sim, elas não atingem a imagética de nosso país, mas interferem no mercado, vide duas palavras do presidente e a perda, quase instantânea de quase R$ 100 bilhões em valor de mercado da Petrobras. Isso sem entrar no âmbito da estrutura judicial, quase um terreno de hereditariedade, os descasos com os direitos humanos e a acachapante desigualdade social, que voltou dos (quase) mortos como um tsunami, obstinado a arrasar com ainda mais vidas e famílias do que fazia há duas décadas, nos longínquos anos 1990. E indago outra vez: onde está o povo -ou ao menos as estridentes panelas que eram batidas contra uma mulher?

Claro, vivemos uma realidade diferente da última meia década. Ainda (sim, ainda, mesmo que muitos não acreditem) estamos no meio de uma pandemia de proporções colossais que, obviamente, não permitem que o brasileiro ‘médio’ vista uma camisa amarela – já quase desbotada – da CBF e vá encher patos gigantes na rua -apesar desse mesmo “tipo” se sentir no direito de burlar o isolamento para ‘curtir o carnaval’ sobre 240 mil corpos. Porém, não conseguimos enxergar nessas mesmas pessoas uma fagulha sequer de revolta. O país não entra nos eixos há quase três governos, mas desde 2015 não temos mudanças tão bruscas, em especial, no bolso -que é onde “dói mais”, como diz o ditado. Aquele ano for ímpar, não só pelo numeral, mas pela disparada em relação a uma realidade que perdurava há 12 anos. As políticas fiscais falharam gravemente e, em meses, o país entrou em recessão. De lá até agora, seis anos depois, os valores de produtos, bens, impostos e serviços permaneceram os mesmos? Não, na verdade atingem patamares cada vez maiores, porém, em aumentos gradativos, que causam espanto quando chegamos em uma bomba de combustíveis e falamos “nossa, como a gasolina aumentou”, mas passam duas semanas e, fracos de memória que somos, já até esquecemos, até que a Petrobras anuncie novo aumento. E assim segue absolutamente tudo. É nesse ponto que mora a analogia do título.

O brasileiro hoje nada mais é que um sapo sendo fervido. Se pegarmos um sapo e o colocarmos em uma panela com água em fogo alto, já aquecida, o sapo irá pular para fora com todo seu impulso pelo ímpeto da sobrevivência; contudo, se pegarmos esse mesmo sapo e o colocarmos na água com o fogo desligado, ele irá permanecer lá, e se ligarmos o fogo, ele não se sentirá intimidado e continuará na água, aquecendo junto com ela, sem perceber o perigo mortal que se aproxima. Percebem? Se a gasolina aumentar hoje cerca de R$ 1,00, como em 2015, estejam certos que não vai haver lugar nesse país que ao menos uma pessoa não esteja gritando, com uma faixa, um pato ou uma panela; agora, se ela continuar aumentando 15 centavos a cada quinze dias, nós só vamos comentar com o frentista o absurdo do preço. Assim como o pobre sapo da parábola popular, estamos agora nesse maquiavélico ‘banho maria’, cozinhando enquanto nosso lar -se é que podemos ainda chamar de nosso- se desfaz diante de nossa expressão de objeto em repouso.

À luta para não sermos sapos! Uma ótima semana e bom trabalho, classe trabalhadora.

Esta coluna tem a pretensão de ser colaborativa. Se crê que algum tema da política e dos acasos sociais são de grande relevância, entre em contato, terei o prazer de discuti-los com você e, a depender da conversa, virar assunto de nosso espaço.

Foto: Igo Estrela/Getty Images

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