A história que vou contar é de um cachorro que sabia ladrar – e só. O cão se achava muito bem articulado, pois liderava uma matilha de outros, tão salafrários quanto ele. Viviam rosnando para outros bichos, se achavam superiores por suas ideias e queriam imputar ao ambiente, tão plural quanto suas capacidades mentais dispunham, aquilo que lhes parecia ser o melhor caminho: uma ditadura canina. Para isso, o cachorro escolheu seus alvos, uma data que parecia simbólica e convocou sua matilha para que essa arrebanhasse os outros animais – em sua esmagadora maioria formada por um gado já mais idoso, que adorava os tempos de abate e mugia para cada latido do cachorro; juro que era possível ouvir um “eu autorizo, presidente” entre os mugidos. E assim a matilha o fez, convocando a massa boiada para o grande dia, do espetáculo derradeiro, onde o cachorro anunciaria seu golpe final, destituindo os outros bichos para comandar o ecossistema. A expectativa gerada foi tremenda, porém o cachorro velho, que mesmo tendo passado toda sua vida de mamífero mamando, permita-me a redundância, nos peitos daquela mata, subestimou os outros animais, que, a cada dia mais próximo do ato, contra-atacaram, mostrando ao cão que ele não passa de ladrador, que sua matilha terá um enjaulado destino e seu rebanho vai mugir mais vorazmente também contra seus donos. No dia marcado, o tabuleiro virou, o cachorro ladrou, mas lhe faltou gado para ouvir e, principalmente, agir.
O cerco fechou, cachorro, e você vai fazer o que? Como todo bom cão obediente, enfiou o rabo entre as pernas e correu para o dono, pedindo colo e, advinha só, o dono do cão era um morcego. Um velho morcego, que já havia mandando naquela mata, não de forma legítima, mas depois de ter dado um golpe – mas essa é outra história. Acontece que aquele morcego continua mexendo em seus pauzinhos, óbvio, por trás das árvores, longe do público, como todo outro bicho graúdo que, no fundo, manda na floresta. O cachorro ladrou alto, mas no final pediu ajuda ao morcego, e este lhe redigiu uma carta – ‘à nação’. Nem para escrever o cachorro e sua matilha servem. Nem que a Terra é redonda eles acreditam. No fim das contas, esse cachorro velho sabe que a frente ele tem dois caminhos a escolher: por um faz um acordo com os outros animais para que toda sua cachorrada seja apagada e ele volte para as sombras da sarjeta de onde nunca devia ter saído; por outro, vai treinar a garganta para ladrar ainda mais alto e radicalizar sua já bestializada matilha. Gostaria de adiantar ao pobre cão que não importa sua escolha, um destino o aguarda: o julgamento, seja ele pela lei do bicho, do homem, de Deus ou da história, e em todos eles, a sentença é tão clara quanto o medo estampado na canil face execrável do cão.
Agora, imagina se essa história se passasse na vida real, hein? O quão absurdo seria algo assim, não?
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