Home Artigo Caso Ronivaldo Maia: “Mexeu com uma, mexeu com todas”? Nem sempre

Caso Ronivaldo Maia: “Mexeu com uma, mexeu com todas”? Nem sempre

Para evitar julgamentos drásticos diante de atitudes incomuns, vale sempre tomar a vacina filosófica do “Nada que é humano me é estranho”. Qualquer pessoa — qualquer uma, inclusive você — pode, num momento de raiva extrema, perder o controle e cometer uma loucura. Há, inclusive, um consagrado atenuante legal para o caso, quando um crime for cometido sob “violenta emoção”. Enfim, acontece.

Contudo, somos socialmente responsáveis pelos nossos atos e havemos de responder por eles, sobretudo aqueles que respondem por funções públicas e mais ainda os que o fazem de modo representativo, pela conquista do voto dos cidadãos. Os presídios estão cheios de pessoas que foram passar longas temporadas no inferno por atos impensados — episódios que penalizam uma vida toda. Lamentável.

O vereador Ronivaldo Maia — desde a juventude um militante das causas igualitárias, inclusivas e emancipacionistas — jogou o carro que dirigia sobre a mulher com quem tinha um relacionamento extraconjugal ao fim de uma áspera discussão com ela numa flagrante tentativa de homicídio que já lhe custou um período de prisão preventiva e pela qual responde judicialmente. Consta, pelo depoimento da vítima, que ele já a havia agredido fisicamente diversas vezes.

Como sabem, a Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores arquivou um pedido de cassação de seu mandato. Somente uma edil (única mulher do colegiado) votou contra o arquivamento. Até o momento, não há conhecimento de que algum parlamentar de seu partido (PT) tenha se manifestado contrário à decisão — valendo para o caso a máxima de que “a omissão diante da opressão representa apoio efetivo ao ato do opressor”.

Apesar de manifestos de repúdio da militância feminista dos partidos de esquerda, o caso também se arrasta na Comissão de Ética do PT com a mesma morosidade dos aliados de Bolsonaro do Centrão ao tratar os “deslizes” misóginos do filho do presidente, que ironizou com escárnio os terrores da tortura psicológica a uma militante grávida, recebendo de parlamentares petistas, companheiros de Ronivaldo, veementes protestos.

Em paralelo, vale lembrar que a Comissão de ética da Assembleia Legislativa de São Paulo se posicionou favorável à cassação do mandato de seu membro Artur do Val (o “Mamãe falei”) pelos comentários deploráveis que fez — em rede privada, com vazamento de áudio — sobre o que ele julgava ser a boa receptividade das ucranianas pobres ao assédio masculino de homens estrangeiros — vadias de olho azul, seria, em resumo, sua versão.

Qualquer pessoa que acompanha a participação das lideranças de esquerda nas redes sociais recorda a unânime e implacável condenação moral que fizeram das declarações do deputado bolsonarista. O linchamento moral do “Mamãe falei” foi pauta obrigatória de postagens nas redes sociais de todos eles. Na atmosfera daquele momento, quem se omitisse se tornaria cúmplice. Foram todos para o pau.

Ora, o vereador de Fortaleza não falou: fez! O que têm a nos dizer agora, da decisão da câmara, as lideranças de esquerda no Ceará? Agirão com coerência, recriminando a impunidade, ou irão retirar de suas páginas nas redes sociais as postagens em que exigiram a cassação do fascista misógino Artur do Val — não pelo que fez, mas pelo que disse?

Para finalizar, com o fito de desestimular réplicas, posso oferecer, como cereja podre desse bolo mofado da hipocrisia moral, o caso recente em que uma celebridade militante do PT, o ator José de Abreu, ameaçou no twitter baixar a porrada na deputada federal Tábata Amaral sem que, nos dias seguintes, nenhuma crítica pública se tenha visto de militantes feministas de proa do PT, como Maria do Rosário, Márcia Tiburi e Luizianne Lins. No caso, mexer “com um não mexeu com todas”.

Ricardo Alcântara
Escritor, publicitário e poeta

(Foto: Érika Fonseca)

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