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Por que São João do Jaguaribe, no Ceará é a cidade mais violenta do Brasil?

Apontada como a cidade mais violenta do Brasil pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última terça-feira, 28, a rural São João do Jaguaribe, no Ceará, convive nos últimos anos com o assassinato de políticos e crimes de pistolagem em uma região marcada pela impunidade.

O índice da relação entre assassinatos e população na cidade é dez vezes maior que a média no país (22.3 por 100 mil habitantes), apontam os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Anuário elaborou um ranking usando como referência o índice de mortes a cada 100 mil habitantes. Neste ano, a novidade foi a inclusão de municípios pequenos, com um cálculo proporcional relacionando a quantidade de moradores e as mortes violentas intencionais, incluindo homicídio doloso, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e assassinatos em ações da polícia.

O levantamento considerou um recorte de três anos, entre 2019 e 2021, “para evitar distorções”, já que assassinatos registrados em apenas um ano seriam insuficientes para indicar o fenômeno em cidades de pequeno porte. O infográfico abaixo mostra as cidades mais violentas do país (em negrito, dez municípios da Amazônia).

Políticos mortos por pistoleiros

A 213 km da capital Fortaleza, a pacata cidade cearense tem apenas 7,5 mil habitantes, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas tem convivido nos últimos anos com assassinatos, inclusive de políticos da região, em plena luz do dia.

Ao todo, quatro políticos foram mortos a tiros por pistoleiros nos últimos anos. O caso mais recente foi o do ex-vice-prefeito Vicente Robson Chaves Freire, que era advogado e procurador-geral do município quando foi assassinado, na tarde de 5 de janeiro de 2021.

O crime faz parte da estatística elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que colocou a cidade em 1º no ranking das mais violentas do país, incluindo as mortes violentas intencionais entre 2019 e 2021.

Dois homens desceram de uma moto e dispararam contra o político, que estava na sua fábrica de fumo em reforma. O crime teve “características de pistolagem”, segundo informaram as autoridades na época. Os criminosos fugiram e abandonaram o veículo usado no crime nas imediações.

Na manhã de 5 de setembro de 2016, o então vereador José Élbio de Almeida Chaves (PPS) foi morto a tiros de escopeta enquanto se escondia de dois atiradores na sede da Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente.

Os assassinos, a bordo de um veículo, foram ao comércio do político, que fugiu correndo até o local onde foi morto. Na época, ele era presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal.

Pouco mais de três meses depois, na noite de 27 de dezembro de 2016, o também vereador Francisco Anailde Chaves, que ocupava a presidência da Câmara, foi baleado e assassinado quando estava sentado em frente de sua própria residência. Ele cumpria o 1º ano de mandato e tinha sido o parlamentar mais votado da cidade.

Na manhã de 2 de agosto de 2017, o produtor rural e líder político Anthony Kennedy Chaves Marques se tornou o terceiro político morto em apenas um ano na cidade. Dois homens desceram de um veículo e abriram fogo, com disparos de escopeta e pistola, contra a vítima, que voltava da padaria. Kennedy havia concorrido à prefeitura de São João do Jaguaribe nas eleições de 2012.

Cenário de impunidade

Até hoje, os assassinatos dos políticos mortos em São João do Jaguaribe não foram solucionados, refletindo um cenário de impunidade no Brasil.

Sociólogos citam ‘pistoleiros’ e crimes por encomenda

O sociólogo Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará), relaciona a condição de São João do Jaguaribe como cidade mais violenta do país à incapacidade do Estado de conter o avanço da criminalidade.

“Há um deslocamento das facções criminosas da capital Fortaleza para as cidades do interior. Mas as ações de Segurança Pública não estão sendo suficientes para conter a disseminação da criminalidade, que geram esses homicídios”, critica.

O pesquisador diz ainda que os dados são impactados pela disseminação da prática de crimes de pistolagem para “acerto de contas”.

No interior do Ceará, o crime de pistolagem segue a lógica do acerto de contas pelo controle político do território, rixas em áreas rurais ou até por causa de dívidas com agiotas”
Luiz Fábio Paiva, sociólogo

Jania Perla de Aquino, que também coordena o laboratório da UFC, relaciona a “tradição de pistolagem” como forma de resolver a disputa por poder em meio ao desenvolvimento socioeconômico em decorrência do agronegócio.

“Com a melhora da situação econômica, há maior circulação de dinheiro. E, como historicamente a região vivencia a cultura de resolução de conflitos pela pistolagem, há assassinatos até de políticos em meio a disputas por poder”, avalia.

Há situação envolvendo pistolagem, disputas políticas e até as facções criminosas em mortes provocadas por arma de fogo. Esses homicídios fizeram com que o município entrasse no nosso radar”
Thiago de Holanda, coordenador do Comitê de Prevenção à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará

O sociólogo César Barreira, que fundou o Laboratório de Estudos da Violência da UFC, estuda crimes ligados à pistolagem há mais de 20 anos. Ele diz que os assassinatos por encomenda atingem toda a região do entorno de São João do Jaguaribe. “O dado mais relevante é a manutenção dessa cultura da pistolagem até os tempos atuais.”

Repórter Ceará – UOL

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