O julgamento que acontece no Supremo Tribunal Federal (STF) nas últimas semanas e que decide sobre a necessidade de os cursos de medicina seguirem a Lei do Mais Médicos (Lei 12.871/2013), que prevê chamamento público prévio para a abertura de novos cursos, está empatada em 2×2 após o voto do ministro Luis Fux que seguiu o relator Gilmar Mendes. A votação se encontra agora parada após pedido de vista do ministro André Mendonça.
“Na prática, o relator havia decidido suspender os processos para a criação de novos cursos que não passaram da primeira etapa de análise dos documentos, garantindo a aplicação dos preceitos da Lei do Mais Médicos a todo eventual novo curso de medicina que seja autorizado. Dessa forma, eles passarão por uma verificação mas poderão continuar tramitando até que seja dada uma decisão por parte do Ministério da Educação”, afirma Dyogo Patriota, assessor jurídico da Associação brasileira das instituições de ensino superior e comunitárias (ABRUC) e do Conselho de reitores das universidades brasileiras (CRUB) e sócio da Patriota e Danytas Advogados.
Segundo o advogado, a disputa pela utilização da Lei do Mais Médicos envolve uma disputa que colocaram em oposição os grandes grupos empresariais educacionais e as empresas de médio e pequeno porte, associações e fundações de outro. Dyogo explica que isso começou com a permissão legal para que empresas pudessem comprar Universidades, Centros Universitários e Faculdades, o que resultou em uma “forte concentração de Instituições de Ensino Superior (IES) e alunos em grandes grupos empresariais educacionais e importantes mudanças para o cenário educacional brasileiro”.
“Desde 2013 com a Lei do Mais Médicos, o Ministério da Educação passou a ter “super-poderes” e a estabelecer os requisitos para que cidades pudessem receber novas autorizações de cursos de medicina, excluindo as capitais e outras localidades em que houvesse outro curso próximo. O objetivo era o de interiorizar os cursos nas regiões com menor proporção de médicos, mas a Administração Pública elegeu como aptas diversas cidades próximas de São Paulo (com altíssima concentração desses profissionais), como os municípios de Guarulhos, Cubatão, São José dos Campos, Guarujá, Osasco, São Bernardo e São José dos Campos”, explica ele.
O representante da ABRUC e da CRUB destaca que a norma em questão concedeu ao MEC, sem quaisquer limites, a prerrogativa de escolher os “critérios” para autorizar novos cursos de medicina e a Administração Pública abusou fortemente dessa prerrogativa. “Fatos estranhos começaram a se repetir, como a exclusão automática de concorrências públicas das capitais com menos médicos e mais equipamentos SUS; a imposição de critérios econômico-financeiros que ignoravam o patrimônio líquido e potencializavam a importância da capacidade de fluxo de caixa; a desvalorização da oferta anterior de outros cursos de saúde com boa avaliação do Poder Público e o fato de já possuírem hospitais próprios ou já oferecerem residência; e até mesmo o fato das instituições poderem participar sem sequer um campus na localidade da disputa, desde que pudesse instalá-lo em até dois anos após a autorização do curso”, resume o advogado.
Dyogo ressalta que a criação de uma instituição de ensino superior é altamente complexa porque demanda formação de corpo de professores, relacionamento com o Município do local de oferta e com o Gestor local do SUS (Secretário de Saúde do Município), ajustamento de equipamentos laboratoriais, entre outros pontos. “O modo de atuar indicou que a Administração Pública adotava regras de disputas muito mais adequadas às IES constituídas como sociedade anônimas, do que em relação a todas as demais concorrentes. O Ministério da Educação não prestou contas e nem houve explicações sobre as causas desses estranhos eventos”, reforça ele.
O especialista ainda destaca que esse problema atinge princípios como o da Autonomia Universitária, previsto pela Constituição Federal de 1988, uma vez que as instituições estão há dez anos impedidas de protocolizar novos pedidos de cursos de medicina, enquanto as vencedoras dos certames obtiveram novos cursos e puderam ampliar o número de vagas nesse período. “Esse é um princípio relevante para a proteção das Universidades contra o Poder Público e em relação a suas concorrentes, como é o caso quando se desconfia que o Ministério da Educação exerceu escolhas e predileções nos critérios que adotou nos editais de chamamento público para o curso de medicina”, enaltece.
Dyogo ainda lembra que o Ministério da Educação passa a oferecer o papel de órgão regulador, uma vez que a IES que se sentisse prejudicada não poderia levar sua demanda ao MEC e nem mesmo prosseguir com a autorização de curso de medicina porque uma das garantias implícitas dos cursos de medicina advindos dos editais é a não concorrência. “Dessa forma, a decisão do órgão se torna irredutível e não abre margem para qualquer tipo de discussão, o que pode prejudicar diversas instituições de ensino que não atendam aos critérios previstos”, reitera.
Para o sócio da Patriota e Dantas Advogados, o julgamento que está em curso no STF coloca em jogo a criação de novas vagas para cursos de medicinas e, consequentemente, de mais médicos nas regiões mais remotas e necessitadas do interior do país. “É preciso haver transparência e fiscalização aos critérios utilizados pelo MEC para a abertura dos cursos de medicina e o julgamento no STF sobre o assunto é ponto essencial nessa questão, o que é proposto com a tese de Gilmar Mendes”, relembra ele, ressaltando que não necessariamente todos os cursos automaticamente entrarão em funcionamento por conta da decisão. “Os critérios de qualidade e exigências técnicas para a criação dos cursos serão seguidos, mas de maneira muito muito mais ampla e democrática do que acontece hoje por intermédio dos editais da Lei do Mais Médicos. Dessa forma, novas possibilidades surgirão para a criação de novos cursos de medicina, expandindo o acesso ao sistema de saúde brasileiro em todo o país”, finaliza.
Repórter Ceará