Quase 60% dos professores da rede estadual de ensino do Ceará não possuem vínculo empregatício como servidores públicos – ou seja, não são concursados. O dado é do Censo Escolar 2023, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no último dia 22 de fevereiro.
O levantamento mostra que apenas 41,1% dos docentes da rede estadual cearense são “concursados/efetivos/estáveis”, enquanto a maioria possui contratos temporários. Outra pequena parcela é contratada sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Ao todo, na data do Censo, o Ceará tinha 7.936 professores concursados, 10.998 temporários e 321 CLT. Outros 40 tinham contrato terceirizado.
O levantamento atualizado pouco difere do Censo de 2022, quando a rede estadual cearense tinha 7.897 docentes efetivos, 10.421 temporários, 339 CLT e 35 terceirizados. À época, o percentual de efetivos era em torno de 42%.
O Ceará é o 2º Estado nordestino com menor proporção de docentes concursados na rede estadual, à frente apenas de Pernambuco, onde 36,3% dos professores são servidores públicos. No cenário nacional, a rede cearense tem o 10º menor quantitativo.
Carlos Eduardo Moreno, diretor de Estatísticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), define a questão como “um ponto bastante controverso”, apontando os efeitos práticos do cenário.
“É uma questão que deve ser colocada para reflexão, a forma de contratação, o vínculo dos profissionais que estão atuando na educação básica brasileira”, destacou Carlos Eduardo Moreno, diretor de Estatísticas Educacionais do Inep.
Para Camilla Rocha, doutora em Educação e professora do Departamento de Teoria e Prática do Ensino da Universidade Federal do Ceará (UFC), a instabilidade nas contratações gera dificuldade na continuação da formação docente e de projetos importantes para a prática na sala de aula.
“Os professores concursados têm uma formação continuada, fazem cursos, têm tempo disponível para os seus planejamentos, então isso certamente enriquece a prática docente”, reflete. “Por outro lado, os professores substitutos e temporários têm a instabilidade de não saber se vão continuar, até quando vão continuar, se o contrato vai ser renovado ou não, além de trazer uma insegurança pessoal também que impacta no trabalho”.
Camilla avalia que a profissão docente requer uma qualificação permanente, tanto em relação a temas quanto práticas pedagógicas. “A gente fica revendo e repensando a própria prática, analisando como podemos fazer melhor, como podemos nos relacionar melhor com os estudantes, mas como fazer isso se não temos estabilidade?”, questiona.
Sobre os impactos no desenvolvimento dos estudantes, a especialista também percebe pontos negativos diante das possíveis quebras de vínculos. Ela exemplifica que, com tempos de contrato curtos ou sem prazos definidos, muitas turmas passam por vários professores durante o ano letivo.
“É importante essa questão do vínculo afetivo mesmo, mas também o fato de a professora conhecer os alunos, o seu nível de aprendizagem, suas capacidades e poder avançar nisso. Então, se a turma fica trocando de professora muitas vezes, os estudantes vão sofrer as consequências disso”, entende.
O que diz a Seduc?
A reportagem solicitou posicionamento da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Em nota, a Pasta declarou que o professor temporário é contratado para suprir carências de professores efetivos que, por motivo de afastamentos previstos em legislação para servidores, precisam se ausentar da sala de aula. “Dessa forma, o número relativo aos temporários é variável e a coleta de dados do Censo é feita sempre nos primeiros meses do ano”, explicou.
Para diferenciar o rendimento dos dois regimes, a Pasta revelou dados da “produtividade” docente: em dezembro de 2023, a carga horária de trabalho de professores efetivos na rede estadual cearense totalizou 502.851 horas, enquanto a de professores temporários foi de 400.993 horas.
Em relação a novas contratações, a Seduc reforça que o Governo do Ceará convocou todos os aprovados no último concurso para provimento imediato de 2.500 vagas; aprovados no cadastro de reserva também assumiram o cargo, totalizando 3.793 profissionais aprovados e convocados.
Conforme a Secretaria, os empossados estão atuando nas 13 disciplinas do Ensino Médio, mais a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e devem exercer atividades relacionadas à base diversificada do currículo, como Projeto Professor Diretor de Turma; Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTTPS); e outros componentes curriculares.
Redes municipais têm mais concursados
Além da rede estadual, o Censo Escolar 2023 também fez um raio-x dos profissionais nas cidades. Entre os professores da educação básica das redes municipais cearenses, mais da metade (54,4%) são concursados. Os outros cerca de 45% são empregados por contratos temporários.
Entre os 9 estados nordestinos, o Ceará tem a 6ª menor proporção de docentes com vínculo efetivo e estável nas redes municipais, à frente apenas de Maranhão (53%), Pernambuco (49,1%) e Alagoas (42,6%).
Nesse cenário, a professora Camilla Rocha lembra o aumento da demanda por escolas públicas municipais desde a pandemia da Covid-19, quando “escolas pequenas particulares tiveram que fechar e muitas famílias também mudaram seu padrão econômico”.
“Há uma necessidade de aumento do corpo docente. Se deixarmos isso apenas para professores temporários e substitutos, a gente vai perdendo a qualidade no sentido da estabilidade, que é o que gera uma segurança de que você vai poder dar continuidade ao seu trabalho”, finaliza.
Com informações do Diário do Nordeste