Em dias turbulentos, que variaram entre uma nova e mal sucedida tentativa de ataque ao Supremo Tribunal Federal e o brilho internacional do Brasil na cúpula do G20 no Rio de Janeiro, a Polícia Federal deflagrou uma nova operação que prendeu militares que pretendiam um Golpe no país. Não bastassem as tantas loucuras e devaneios oriundos do bolsonarismo, como o ataque maciço às sedes dos 3 poderes em Brasília, no 8 de janeiro, a tentativa de explosão no aeroporto da cidade, a tensão nos dias que antecederam a diplomação de Lula e o recente “bombardeio” promovido por um ex-candidato do Partido Liberal, a operação desta terça abriu uma nova caixa de Pandora dos males golpistas do Brasil: nossas forças armadas sentem o que não tem – a “obrigação” de tutelar o país.
Afinal, não foram bolsonaristas civis que encabeçaram o plano desvelado pela PF, tampouco soldados de baixa patente foram presos. Os detidos faziam parte de um esquadrão, com treinamento e táticas especializadas; os planos foram, de acordo com as informações liberadas até o momento, montados com a participação de generais, incluindo Braga Netto, então candidato a vice de Bolsonaro em 2022, e tiveram a observação do próprio Bolsonaro. A ideia não era mais questionar o processo eleitoral ou as urnas, mas sim assassinar o presidente eleito, Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, com data marcada para acontecer e planejamento da implantação de um Comitê de Crise pelos mesmos golpistas. Não bastasse o estrago que o bolsonarista França fez na última semana, essa operação enterra de vez o movimento por anistia aos golpistas de 8 de janeiro.
Anistia essa que não seria a primeira no Brasil. Em 1979, o governo do último ditador brasileiro, João Baptista Figueiredo, aprovou a Lei da Anistia, com o enfraquecimento da Ditadura e a pressão das oposições, mas baseada na tese do “dois lados – dois demônios”, ou seja, livrando do exílio e condenação os presos e perseguidos políticos brasileiros do período ditatorial, mas garantindo que nenhum militar torturador, corrupto e seus aparelhos de repressão fossem condenados. Daniel Reis (2014) e outros pesquisadores coadunam o escândalo que essa legislação causou, e como representou um processo de continuidade do esquecimento de ‘memórias’ no Brasil. Milhares de cidadãos civis – não revolucionários -, foram presos, torturados, “sumiram” nas mãos dos militares que estavam no poder e nunca os responsáveis pagaram com o rigor da lei.
Temos agora a oportunidade de retificar esse erro e outras práticas imorais de um passado não tão distante, cujas feridas abertas ainda causam dores nos dias de hoje. Além de um julgamento sério dos golpistas e terroristas, o Estado, o poder Judiciário e as Instituições devem desmantelar dispositivos que abrem brechas para interpretações, como o artigo 142 da Constituição, usado como “desculpa” para intervenções. No Brasil não há quarto poder, tampouco poder moderador. Não cabe ao Exército, Aeronáutica ou Marinha a tutela da política ou dos rumos do país. Nenhum militar tem mais legalidade para governar que um civil democraticamente eleito por 60 milhões de brasileiras e brasileiros. As forças armadas brasileiras precisam compreender que servem ao povo, e que na hierarquia social, general nenhum tem mais estrelas que as cidadãs e cidadãos que os sustentam com seus impostos.
“Sem anistia” não é mais um grito simbólico ou o eco de um passado que nunca passou, é a reafirmação da necessidade do Brasil em punir, com rigor, aqueles que o puniram tantas vezes. Finalizando com analogia a um ditado popular, “é a volta [de forma legal e justa] da chibata no lombo de quem mandou dar”.