Desde que me entendo por gente, sempre ouço falar que o Brasil precisa de reformas. Mesmo antes de entender do que se tratavam, algumas eram as mais “marteladas”: tributária, agrária e política. Entre trancos e barrancos, já avançamos em algumas -e retrocedemos em tantas outras. Nas mudanças realizadas na última década, retrocedemos após o golpe contra Dilma nos direitos trabalhistas, previdenciários e da educação, mas conseguimos minimamente reestabelecer o diálogo -e disputa- em outro flanco importante. Após a vitória de Lula, seu governo estabeleceu como prioridade reforma tributária, e essa teve o maior avanço dos últimos cinquenta anos. Porém, sua segunda e mais importante etapa, a reforma da renda, será uma dura queda de braço política, e é aí que reside uma necessidade fundamental.
As reformas tributária e agrária, mesmo que longe do que gostaríamos e demanda a classe trabalhadora, “andam”. Seus processos poderiam ser acelerados se o Brasil já tivesse realizado a reforma política. Essa última, que vez ou outra ressurge em períodos eleitorais, é muito mais importante do que as vezes parece ser. Nosso sistema político agrega avanços e retrocessos em um amálgama nem sempre tranquilo, que pode transparecer hostilidades e “ameaças” sempre que as decisões de certo poder são questionadas. Mesmo com legislações, emprego de tecnologia avançada nas eleições e uma Constituição que colocam o Brasil no rol de países com significativos avanços políticos, o sistema eleitoral em si, por exemplo, e das decisões dos poderes são relativamente atrasados.
A composição do Congresso Nacional, especialmente da ‘Casa Alta’, o Senado da República, é desigual se comparada à Câmara: enquanto há uma divisão igualitária no número de cadeiras no Senado por estado, na Câmara, os 513 assentos são divididos de acordo com o tamanho em população das unidades da Federação. Isso faz com que o Executivo dialogue diversas vezes nas duas casas legislativas, e tenha que barganhar votos considerando o peso dos estados entre os deputados, mas desconsiderando esse fator entre os senadores, já que tanto Roraima com seus 700 mil habitantes, como São Paulo, com seus 44 milhões, tem igualmente 3 senadores os representando. Essa desproporcionalidade atrapalha as negociações para acordos entre os poderes e, por conta de divergências, muitas vezes o terceiro poder da República, o Judiciário, é chamado para a conversa.
Esse é um dos pontos de discussão da necessidade da reforma política, mas outros são também evidentes. Na questão eleitoral, enquanto nossas urnas são as mais avançadas do mundo e nossas eleições, ao mesmo tempo seguras e de rápida apuração e checagem, também expõem problemas que poderiam ter sido evitados ainda na Constituinte dos anos 80. O voto no Brasil é nominal, demanda do cálculo do quociente eleitoral para o Legislativo e isso, muitas vezes, causa discrepâncias e um péssimo poder de diálogo entre os eleitos em diferentes poderes. Não é incomum às vezes, desde a redemocratização, que a população opta por candidatos de diferentes espectros ideológicos para diferentes cargos em também diferentes poderes. Um exemplo prático: Lula e seu partido, de centro-esquerda, foram eleitos para a chefia do poder Executivo; na câmara, porém, sua força política se restringe a cerca de 140 deputados alinhados ideologicamente ao presidente -ou seja, a ampla maioria da casa é de centro/direita, o que exige um poder de diálogo apurado e trabalhoso.
Nos últimos tempos, uma voz tem levantado novamente a necessidade do debate da reforma política. José Dirceu, que teve seus direitos políticos reestabelecidos, diz que essa pauta é fundamental para o futuro do país -e vemos como o experiente ex-ministro está correto. Na última semana, após a apresentação da PEC do governo com fim dos super-salários, mudanças na aposentadoria militar e no imposto de renda, o Congresso passou a falar abertamente de forma que lembra chantagens ao Executivo e também Judiciário, por conta das emendas parlamentares. É hora de voltar a pautar, entre a sociedade, essa discussão. Chega de reformas que só deformam o Estado e a vida dos trabalhadores. É hora de arrumar os alicerces da casa.