Antes mesmo do sol nascer, às 5h da manhã, fiéis já se reuniam no bairro de Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro, para celebrar com queima de fogos o dia de São Jorge, um dos santos mais populares do país. No estado do Rio, a data é feriado oficial e reúne devotos em igrejas, ruas e eventos culturais em homenagem ao santo guerreiro.
Na tradição católica, São Jorge é padroeiro de soldados, cavaleiros, escoteiros, esgrimistas e arqueiros — mas é, sobretudo, símbolo de força, resistência e fé diante das batalhas da vida. De acordo com o site oficial do Vaticano, ele representa “a vitória do bem sobre o mal”, sendo um guia para superar os desafios humanos e espirituais.
Apesar da força no catolicismo, São Jorge também é reconhecido por outras vertentes cristãs, como a Igreja Anglicana e a Ortodoxa, e respeitado por praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé.
Entre a história e a lenda
A figura histórica de Jorge é envolta em lendas. A versão mais conhecida indica que ele nasceu na Capadócia (atual Turquia), por volta do ano 280, em uma família cristã. Alistado no exército do imperador romano Diocleciano, Jorge foi martirizado e decapitado após se recusar a perseguir cristãos, sendo reconhecido como mártir da fé.
Um dos registros mais antigos sobre ele é uma epígrafe do ano 368, encontrada em Eraclea de Betânia, que menciona uma igreja dedicada a Jorge e seus companheiros. A lenda do santo que mata um dragão e salva uma princesa, associada à cidade de Selém, na Líbia, ganhou força durante as Cruzadas e se tornou sua imagem mais icônica.
Para o historiador Luiz Antônio Simas, São Jorge faz parte do que chama de “santos do cotidiano”, aqueles que recebem pedidos para os problemas diários, como proteção, cura e justiça. “É um santo da rua”, diz ele, destacando a conexão direta com o povo.
Além do Ocidente
A simbologia de São Jorge ultrapassa fronteiras religiosas. Em algumas interpretações, ele aparece como Al-Khidr, personagem citado no Alcorão, livro sagrado do Islã. A imagem do guerreiro vitorioso em batalhas espirituais ou materiais é uma constante em diferentes culturas e tradições.
Na Inglaterra, a devoção ao santo cresceu durante a Idade Média. Em 1348, o rei Eduardo III fundou a “Ordem dos Cavaleiros de São Jorge”, e desde então ele é considerado o padroeiro da Inglaterra.
São Jorge e Ogum: fé e resistência negra
No Brasil, especialmente nas religiões de matriz africana, São Jorge é frequentemente associado ao orixá Ogum, divindade ligada à guerra, ao ferro e à proteção. Mas essa equivalência é vista com cautela por estudiosos e praticantes. A socióloga e mãe de santo Flávia Pinto explica que São Jorge não é Ogum, mas sim um “filho pródigo” do orixá.
Ela também alerta para os perigos de uma visão romantizada do sincretismo. “Não podemos chamar de maneira romântica um comportamento genocida e torturador, que foi a imposição da fé de um povo dominador sobre outros povos”, afirma, referindo-se ao processo de colonização e à tentativa de apagar as religiões africanas.
Ainda assim, Flávia destaca a resistência e sabedoria dos povos afrodescendentes, que ressignificaram elementos do cristianismo para preservar suas crenças ancestrais.
Um símbolo que transcende religiões
A popularidade de São Jorge no Brasil é um reflexo de sua múltipla representação. Para muitos, ele é um santo. Para outros, um guerreiro mítico. Mas, acima de tudo, é uma figura de esperança, de luta e de fé.
Neste 23 de abril, nas ruas do Rio e em outras partes do país, sua imagem com armadura e lança continua a inspirar milhares de devotos a seguirem firmes diante das batalhas diárias — sempre com a certeza de que, como ensina a lenda, o bem pode vencer o mal.
Com informações da Agência Brasil