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PF aponta desvio de R$ 48,7 milhões pagos por respiradores não entregues ao Consórcio Nordeste

A Polícia Federal identificou indícios robustos de um esquema de desvio de recursos públicos na compra frustrada de respiradores pulmonares pelo Consórcio Nordeste durante a pandemia de Covid-19

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A Polícia Federal identificou indícios robustos de um esquema de desvio de recursos públicos na compra frustrada de respiradores pulmonares pelo Consórcio Nordeste durante a pandemia de Covid-19. Segundo informações obtidas com exclusividade pelo portal UOL, os R$ 48,7 milhões pagos adiantadamente à empresa Hempcare, em 2020, nunca resultaram na entrega dos equipamentos contratados — e foram, em vez disso, utilizados em despesas pessoais, como aquisição de veículos, pagamento de faturas de cartão de crédito e mensalidades escolares.

Na época, o Consórcio era presidido por Rui Costa (PT), então governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil. A Hempcare, especializada em medicamentos à base de cannabis, não possuía qualquer experiência prévia na comercialização de equipamentos médicos. Mesmo assim, recebeu integralmente os recursos antes da entrega dos respiradores. O contrato previa a compra de centenas de unidades, das quais nenhuma foi efetivamente entregue.

Rastreamento do dinheiro

A investigação da PF aponta que, entre 8 de abril e 20 de maio de 2020 — em menos de um mês — a Hempcare esvaziou suas contas por meio de transferências sucessivas a terceiros sem qualquer ligação com o fornecimento dos respiradores. Os valores foram pulverizados para empresas e pessoas físicas, com parte significativa aplicada em bens de alto valor.

Entre os gastos rastreados estão a compra de um SUV Volkswagen Touareg (R$ 75 mil), um caminhão Mercedes-Benz Accelo (R$ 176 mil) e um Mitsubishi ASX (R$ 76 mil), além do pagamento de faturas de cartão de crédito que somaram R$ 150 mil. A investigação também detectou uso dos recursos para custear a mensalidade escolar dos filhos de um dos envolvidos.

Os valores chegaram a transitar por empresas do setor imobiliário, fundos de investimento e administradoras de bens, sem qualquer conexão com o contrato firmado para a compra dos respiradores. Segundo a PF, ao menos R$ 5 milhões desses recursos foram transferidos originalmente pelo Governo do Rio Grande do Norte.

Ligações políticas e comissões

Em delação premiada, a empresária Cristiana Taddeo, dona da Hempcare, confessou ter pago comissões milionárias a lobistas com acesso a figuras políticas. Segundo ela, R$ 11 milhões foram repassados a Cleber Isaac e Fernando Galante, apontados como intermediários com suposta ligação com Rui Costa e a ex-primeira-dama da Bahia, Aline Peixoto. Cristiana declarou que o processo de contratação foi extremamente rápido, o que, segundo ela, se deveu às comissões prometidas.

Parte do valor foi devolvida por Cristiana no acordo de delação — R$ 10 milhões —, correspondente ao montante que ela própria teria embolsado. O restante ainda é rastreado pela PF.

Desdobramentos judiciais

O caso, inicialmente investigado na primeira instância da Justiça Federal da Bahia, foi recentemente remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) após entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que restabeleceu o foro privilegiado de Rui Costa. O processo está agora sob responsabilidade do ministro Og Fernandes.

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) isentou de responsabilidade o ex-secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas, que havia emitido os empenhos para o pagamento. A decisão contrariou o parecer da área técnica do TCU, que recomendava aplicação de multa por irregularidades.

O juiz federal Fábio Moreira Ramiro determinou o bloqueio de bens de todos os beneficiários dos pagamentos vinculados ao contrato, em tentativa de recuperar os valores desviados.

Posicionamentos

Procurado, o ministro Rui Costa não se manifestou sobre os novos dados. Em declarações anteriores, ele disse que as compras com pagamento antecipado foram prática comum durante a pandemia e que determinou a abertura de investigação pela Polícia Civil da Bahia na época.

A defesa de Carlos Gabas argumenta que ele agiu com respaldo legal e técnico e que o Consórcio Nordeste, assim como os estados, foi vítima do golpe. Cristiana Taddeo e Cléber Isaac não se pronunciaram. Já Fernando Galante não foi localizado.

O inquérito segue em andamento, e a PF tenta rastrear o destino final dos recursos desviados.

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