Chegamos ao mês de junho, e com ele o brilho das bandeirinhas, o som das sanfonas e os palcos grandiosos se espalham pelo Nordeste. É tempo de São João — ou, pelo menos, deveria ser. O que temos visto, no entanto, é uma celebração cada vez mais distante de suas raízes, onde o marketing e os interesses comerciais se sobrepõem à cultura popular, às tradições e, principalmente, à valorização dos artistas locais.
A festa que virou vitrine
De dentro para fora, o que enxergamos hoje é uma festa moldada para o espetáculo. Os grandes eventos são pensados como vitrines turísticas e oportunidades de marketing político. As atrações de renome, muitas vezes completamente desconectadas do forró, tomam o lugar dos sanfoneiros, dos trios pé de serra, das quadrilhas juninas e da verdadeira alma do São João.
É claro que o sucesso de público e a economia movimentada são importantes. Mas é preciso perguntar: a que custo? O São João virou sinônimo de cachês milionários, enquanto artistas locais, que carregam a cultura nos ombros o ano inteiro, seguem invisíveis, tocando por migalhas ou sendo esquecidos por completo.
A ausência de escuta
A festa nasceu do povo, mas o povo deixou de ser ouvido. Falta escuta, falta diálogo com as comunidades que mantêm viva essa tradição. O São João é feito nas calçadas, nas escolas, nos sítios e nas praças — mas quando se centraliza tudo em grandes estruturas, com artistas de fora e repertórios genéricos, mata-se aos poucos a espontaneidade e a identidade da festa.
Forró autêntico: patrimônio em risco
O forró autêntico, aquele de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba, Jackson do Pandeiro, está em risco. Não por falta de talento — há uma nova geração produzindo música com qualidade e paixão. Mas falta espaço, incentivo e políticas públicas que garantam a presença e a relevância desses artistas nos palcos juninos.
Um chamado à responsabilidade cultural
É preciso responsabilidade cultural. Que prefeitos, secretários, curadores de eventos e comunicadores se perguntem: que São João estamos construindo? Que memória queremos deixar para as futuras gerações? Não é sobre ser contra artistas consagrados, mas sobre reconhecer que o brilho do São João não vem dos holofotes, mas do calor humano, da dança compartilhada, do som da sanfona ecoando entre palhas de milho e fogueiras acesas.
Refletir para preservar
Resgatar o verdadeiro São João não é andar para trás, é preservar o que temos de mais valioso. É reconhecer a importância dos artistas locais, garantir espaços para as tradições, democratizar o acesso à cultura e fazer da festa um instrumento de identidade e pertencimento.
Antes de montar o próximo palco, precisamos montar essa reflexão.