Hoje, ocupo esta tribuna livre movido por um profundo sentimento de alegria, reconhecimento e fé na humanidade.
Gostaria de compartilhar com vocês um fato ocorrido no meio jurídico que afagou minha alma e massageou meu espírito, devido ao seu ineditismo e à sua grandeza humanística. Ressalto que não tenho a intenção de tecer elogios gratuitos ou promover qualquer proselitismo.
O pensador, filósofo e escritor francês Charles-Louis de Secondat, imortalizado como Barão de Montesquieu, cunhou uma frase no século XVIII que, desde meus tempos de acadêmico de Direito, pulsa em minha mente e guia minha carreira de advogado nas lides criminais:
“A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos.”
Partindo desse aforismo, relato o objeto deste artigo, com o devido consentimento do doutor Promotor de Justiça Leydomar Nunes Pereira. Em 2009, quando o Dr. Leydomar exercia o cargo de Promotor de Justiça na Comarca de Campos Sales/CE, deparou-se com um processo criminal no qual dois jovens estavam presos em flagrante há mais de seis meses, acusados de tráfico de drogas.
Embora não fosse o promotor do caso na época da prisão, o Dr. Leydomar Pereira analisou o processo com notável perspicácia. Foi então que a história desses dois réus mudou de rumo. Com seu acurado senso de justiça e humanismo, constatou que havia, no processo, provas contundentes de que os réus haviam sido torturados pela polícia para confessar o crime.
Infelizmente, o processo já estava em fase de julgamento, e os réus foram condenados e mantidos presos pelo juiz da comarca. Até aqui, seria apenas mais um dos inúmeros casos criminais nos fóruns e tribunais brasileiros. Contudo, o Dr. Leydomar, num gesto de incomum altruísmo profissional e louvável espírito humanista, irresignado com aquela clara injustiça, impetrou, ele próprio, um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará em favor dos réus.
Não conheço a peça de Habeas Corpus, mas o cabedal jurídico e intelectual do Dr. Leydomar, aliado à convicção do direito que defendia, convenceram o Tribunal de Justiça a conceder a ordem e restituir a liberdade aos injustamente presos.
O caráter sui generis e o ineditismo do caso saltam aos olhos. Mesmo os leigos sabem que o Ministério Público, enquanto “advogado da sociedade” e fiscal da lei, é quem geralmente pede a prisão e a condenação dos criminosos. No entanto, quando o arbítrio, o autoritarismo e a injustiça prevalecem, é nessas horas que os justos se destacam.
O Ministério Público é o dominus litis (dono da ação penal), mas também – e muitos de seus membros esquecem ou ignoram – é custos legis (fiscal da lei). O Dr. Leydomar personifica o verdadeiro promotor de justiça: aquele que promove a justiça, independentemente do sistema estatal ou da opinião alheia.
Confesso que, em meus 30 anos de advocacia, nunca vi um Promotor de Justiça impetrar um Habeas Corpus para libertar um preso!
Esse louvável e memorável fato me lembra a história do moleiro de Sans-Souci, da obra de François Andrieux, e a célebre frase:
“Ainda há juízes em Berlim.”
Parafraseando, ou fazendo um trocadilho, o caso aqui narrado e a atitude incomum, altiva, heterodoxa, humanista e, principalmente, justa do Promotor de Justiça Leydomar Nunes Pereira, nos permite dizer:
“Ainda há promotores de justiça no Brasil.”