Quixeramobim, a maior bacia leiteira do Ceará, atravessa um momento delicado que ameaça a permanência de centenas de famílias no campo e coloca em xeque o futuro de uma atividade que representa não apenas renda, mas também identidade cultural e econômica para o Sertão Central. A realidade atual escancara um cenário de desestímulo: não se escutam sindicatos, cooperativas e órgãos de representação em nível estadual, enquanto o pequeno produtor, aquele que tira menos de 100 litros de leite por dia, sofre para manter suas vacas e sua produção diante de um mercado cada vez mais hostil.
O ano foi marcado por uma quadra invernosa abaixo da média, sem a recarga necessária dos reservatórios e sem a presença da Conab para regular o preço do milho, alimento essencial para manter o rebanho. Chegando aos meses mais difíceis, os custos aumentam e a esperança diminui. Ao mesmo tempo, os produtores recebem a notícia de que o preço do litro de leite, já baixo, deve cair ainda mais, chegando a R$ 1,90. Um valor que mal cobre os custos e empurra o sertanejo para o desânimo, fazendo muitos encerrarem suas vacarias.
A lembrança do algodão, o antigo “ouro branco” do Ceará, surge inevitavelmente como um alerta. A praga do bicudo, somada à falta de políticas consistentes, exterminou a cultura algodoeira no Estado. Agora, o temor é que o “outro ouro branco”, o leite, siga o mesmo destino, não por uma praga, mas pela combinação de descaso governamental, monopólio industrial e competição desigual.
Para o produtor Zé Maria Pimenta, a raiz do problema está na política tributária. Ele denuncia que o Ceará não cobra impostos sobre o leite que vem de outros estados, o que cria uma concorrência desleal: “O leite chega em carros bitrem de Pernambuco, Bahia e de outros estados vizinhos e faz com que a indústria, que praticamente é um monopólio no Ceará, comprima os preços e rebaixe a compra dos produtores locais. Com isso, você está criminalizando quem produz aqui no Estado. É preciso que haja cobrança de impostos sobre o leite e seus derivados ao entrarem no Ceará, para equilibrar essa disputa e proteger o produtor cearense”.
O silêncio das representações de classe, somado à falta de políticas públicas de proteção e incentivo, deixa o produtor ainda mais vulnerável. O risco é claro: perder a principal base produtiva do sertão, com reflexos sociais e econômicos irreparáveis. Sem apoio, sem preço justo e sem mercado equilibrado, o futuro da atividade se torna incerto.
Mais do que discutir valores de mercado, trata-se de refletir sobre a permanência das famílias no campo, sobre a manutenção da cultura sertaneja e sobre a soberania alimentar do Ceará. Se nada for feito, a história do algodão pode se repetir com o leite e, junto com ele, esvair-se a força de um setor que sempre sustentou o sertão com trabalho, dignidade e perseverança.