A enxurrada de propagandas do governo estadual exaltando o projeto “Escola Nota 10” naturalmente gera uma série de questionamentos que transcendem a mera aparência dos resultados. A qualidade da educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade e, por isso, merece um escrutínio que vá além dos números divulgados em campanhas publicitárias.
Surge, então, uma primeira e incômoda indagação: as escolas premiadas pelo gestor estadual possuem o mesmo padrão de excelência e oferta de oportunidades daquelas escolhidas pela elite política e econômica do estado – instituições privadas de renome, como Ari de Sá, Farias Brito e Sete de Setembro? A pergunta é pertinente e reveladora.
Se o ensino público cearense atingiu um patamar tão elevado, como sugere a propaganda oficial, por que os próprios arquitetos dessas políticas não confiam a educação de seus filhos a essas unidades escolares “Nota Dez”? A resposta intuitiva a essa questão lança uma sombra de dúvida sobre a equação direta que se tenta fazer entre o título concedido e uma educação de elite, sugerindo a existência de dois padrões distintos de qualidade.
Ao direcionarmos o olhar para os municípios, os paradoxos tornam-se ainda mais evidentes. Tomemos o caso de Quixadá, no Sertão Central. O prefeito Ricardo Silveira comemorou, com ampla divulgação em suas redes sociais, a conquista de 10 escolas com o selo e 2 premiadas. No entanto, uma análise mínima do histórico recente revela que a gestão anterior do mesmo prefeito havia alcançado a marca de 18 escolas Nota 10 e quatro premiadas. Diante de uma regressão tão significativa, uma queda de quase 50% no número de escolas excelentes, a pergunta que se impõe é: o que há para se comemorar?
A postura mais sensata e responsável, em vez da euforia, seria a abertura de um profundo e transparente processo de reflexão. É crucial investigar os motivos dessa queda abrupta: foi descontinuidade de projetos, mudança na gestão escolar, subfinanciamento ou outros fatores? Celebrar um resultado pior do que o obtido no passado parece não apenas desconectado da realidade, mas também um desserviço à população que confia em seus líderes.
Em contraste gritante, o município vizinho de Quixeramobim apresenta uma trajetória de crescimento sólido, ano após ano, e uma postura gerencial mais austera. Saltar para 40 escolas Nota 10 e 20 premiadas é um feito notável, que demonstra eficiência e foco. Significativamente, a comemoração de seu prefeito, Cirilo Pimenta, foi discreta, acompanhada da assertiva de que “precisa melhorar cada vez mais”. Essa postura de humildade e ambição constante é a marca de um gestor que compreende que a educação é um processo contínuo de aperfeiçoamento, e não uma meta final a ser comemorada.
Da mesma forma, a cidade de Tauá, mesmo sendo de menor porte, demonstra uma ambição saudável, com 19 escolas premiadas (nove delas com destaque), e sua gestora, Patrícia Aguiar, já projeta expandir esse número. Esses exemplos mostram que a melhoria é possível e sustentável, desde que haja gestão competente e compromisso genuíno.
Em conclusão, os questionamentos são, de fato, urgentes. Os políticos cearenses devem explicações claras aos eleitores. A primeira é sobre a discrepância entre a escola pública que propagandeiam e a escola privada que escolhem para seus filhos. A segunda é sobre a verdade por trás dos números: comemorar resultados medianos ou em declínio, como no caso de Quixadá, é subestimar a inteligência dos cidadãos.
O verdadeiro sucesso não reside em selos ou em propagandas, mas na melhoria consistente, ano após ano, e na capacidade de oferecer a todas as crianças, independentemente de sua origem, uma educação que genuinamente rivalize com a melhor do setor privado. Só assim o título “Nota 10” carregará o peso e o respeito que seu nome sugere.
