Auditório lotado. Corações em banquete. Expectativa atendida, sensação de missão cumprida. Evento exitoso! Eis como pode ser definido o I Congresso Cearense de Direito Municipal. Recepcionados pela cúpula da OAB estadual – à frente, a Presidente Christiane Leitão – os participantes viveram um dia de potentes debates. Do primeiro ao derradeiro painel, um manancial de ensinanças.
Em cada esquina, em cada praça, o clamor por recursos é um lamento silencioso. O Município, célula viva da nação, respira um ar rarefeito. Não o ar das nossas serras, mas o da burocracia e da desproporção. Ele se ergue, tijolo por tijolo, rua por rua, sobre um pacto federativo que, como um gigante adormecido, dita as regras de um jogo desigual. No painel sobre o exemplo de Tauá, foi apresentado não apenas um estudo de eficiência, mas um espelho da alma municipal. Como cediço, a União concentra 58,14% da seiva vital da arrecadação, e apenas uma fração menor chega para nutrir as raízes locais, onde a vida pulsa com a urgência do subfinanciamento. Programas essenciais, como a alimentação escolar, recebem migalhas – R$ 0,53 por dia letivo por aluno – enquanto a manutenção de estradas vicinais, artérias que ligam os distritos às sedes urbanas, drena bilhões dos cofres locais, com um retorno pífio. É a metáfora da semente que luta para germinar em solo árido, sob a sombra de uma árvore colossal que retém a maior parte da luz. A responsabilidade é vasta; os meios, escassos. Mas o espírito humano, e por extensão o municipal, é resiliente. E eis que surge a promessa do digital, um novo alvorecer. Tauá está provando que arrecadar bem, ao invés de afastar, pode atrair a simpatia popular. Superando municipalidades primas, de igual e até superior população, aplicando rígidas normas fiscalizatórias, mostra que a população aplaude a boa governança.
Na ocasião, Fortaleza apresentou seu manifesto: “Dívida Ativa 4.0”. Trata-se de um conjunto de soluções tecnológicas: Balcão Virtual, App, WhatsApp – ferramentas que desmaterializam a burocracia, transformando o labirinto da dívida em um caminho mais claro. O aumento exponencial de 90,8% na recuperação de dívidas não é apenas um número; é a prova de que a tecnologia, quando empunhada com a intenção de servir, pode redefinir a relação entre o cidadão e o Estado.
E então, do alto do Planalto Central, mais especificamente do Congresso Nacional, paradoxalmente chegam os ecos de uma nova esperança. A Emenda Constitucional nº 136/2025, um sopro de alívio, promete liberar R$ 700 bilhões para os municípios.
Limites para precatórios, novos prazos para dívidas previdenciárias, um sopro reformista que busca reequilibrar a balança. São as grandes engrenagens da legislação girando, tentando realinhar o cosmos fiscal. É a promessa de um novo ciclo, onde a semente talvez encontre um pouco mais de sol. Mas a história nos ensina que cada solução legislativa é um novo ponto de partida para desafios ainda não previstos. A adaptação, a proatividade, o planejamento estratégico – são as virtudes exigidas para navegar por essas águas sempre mutáveis, um lembrete de que a mudança é a única constante.
Ponto alto foi o debate com o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ali, a Advocacia relembrou o seu status constitucional de essencialidade à Justiça: a rejeição à disputa ou ao leilão na contratação de serviços jurídicos, o anátema à mercantilização da atividade advocatícia. A par dessas ponderações divergentes, ficou consensuado o intento, por parte da OAB e do TCE, de avançar rumo a um fecundo diálogo interinstitucional.
O painel sobre “Improbidade e Inelegibilidade” nos lembrou que a máquina, por mais azeitada que seja, é operada por mãos humanas. E essas mãos, por vezes, falham. A suspensão dos direitos políticos, a inelegibilidade por ato doloso de improbidade, a lesão ao patrimônio público – são as balizas morais que tentam conter a torrente da ambição desmedida. A evolução do “dolo específico” na Lei 14.230/2021 não é um mero detalhe jurídico; é um aprofundamento na compreensão da intenção humana, um reconhecimento da complexidade da falha moral. É a eterna luta entre a sombra e a luz, entre a tentação do desvio e a exigência da retidão, um drama que se desenrola em cada esfera da existência, pública ou privada, revelando a fragilidade inerente à natureza humana.
Por fim, o evento foi encerrado com ricas e tocantes perorações sobre a advocacia municipal na seara criminal. Os participantes puderam sorver o manjar da experiência de colegas traquejados no dia a dia forense: Waldir Xavier, Flávio Jacinto e Paulo Quezado. Como, na faculdade, ninguém aprende a advogar, esse é um aprendizado de vida. Só o cotidiano e atento labor revelam. A seara advocatícia é solo fértil, terra plena de latência, incubadora de sementes, ofício de oportunidades.
O municipalismo é, em essência, a crônica da própria vida: um eterno aprendizado, uma contínua adaptação, um esforço sem fim para construir, com os poucos recursos disponíveis, um futuro mais justo e eficiente. Viva o Municipalismo!