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Quando o muro limpo vira doação e o muro pichado denuncia a cidade

Este é um chamado para autoridades, para a sociedade e para todos nós que vivemos e ocupamos esta cidade: é hora de barrar de vez essas atrocidades visuais, as pichações, os “pixos”, os rabiscos agressivos que não dialogam com a paisagem, que agridem o patrimônio e fragilizam o ambiente urbano

Foto: Sérgio Machado

Hoje, ao passar em frente a um estacionamento, deparei-me com uma placa que dizia:
“A cada mês que este muro permanecer limpo, o Renda Park fará doações de cestas básicas para uma instituição de caridade.”

Essa iniciativa merece aplausos: uma empresa que associa limpeza, cuidado com o entorno urbano e solidariedade. Mas, ao mesmo tempo, ela nos lança um espelho bastante desconfortável: por que tantos muros, tantos espaços públicos ou privados, estão constantemente sendo pichados, mutilados visualmente, transformados em marcas de abandono e desrespeito?

Se esta placa chama atenção por ser algo positivo e proativo, por que precisamos de placas para valorizar o muro limpo? Por que a constante pichação precisa continuar sendo “normal”?

Este é um chamado para autoridades, para a sociedade e para todos nós que vivemos e ocupamos esta cidade: é hora de barrar de vez essas atrocidades visuais, as pichações, os “pixos”, os rabiscos agressivos que não dialogam com a paisagem, que agridem o patrimônio e fragilizam o ambiente urbano.

A pichação no Brasil consiste em escrever, rabiscar ou marcar muros, fachadas, edificações públicas ou privadas, sem autorização do proprietário ou do poder público. A diferença entre o grafite e a pichação é essencial: o grafite é uma manifestação artística, muitas vezes autorizada, que embeleza e dá identidade aos espaços; já a pichação é um ato de vandalismo que degrada o patrimônio e a paisagem.

De acordo com a Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) e com a Lei nº 12.408/2011, que inseriu o artigo 163-A no Código Penal, pichar ou conspurcar edificação ou monumento urbano é crime, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Quando o bem é protegido por lei, como monumentos tombados, a punição pode ser ainda mais severa. Há cidades que aplicam multas que chegam a R$ 50 mil, e tramitam no Congresso projetos que preveem suspensão da CNH e bloqueio de benefícios públicos para infratores reincidentes.

Apesar das leis, o problema persiste. A fiscalização é complexa e a impunidade é comum. Muitos dos que praticam a pichação o fazem durante a madrugada, em locais de difícil acesso e sem testemunhas. Para os que picham, o ato é muitas vezes visto como “expressão”, “marcação de presença”, um grito de visibilidade. Mas, para a sociedade, o resultado é o oposto: um cenário de degradação, abandono e desrespeito coletivo.

A solução não virá apenas da punição. É necessário um trabalho integrado entre poder público, sociedade e iniciativa privada. Cidades mais limpas e organizadas exigem ação coordenada: monitoramento com câmeras, denúncias efetivas, resposta rápida das autoridades e penalidades exemplares. É preciso endurecer a aplicação da lei e, ao mesmo tempo, investir em educação, cultura e cidadania.

Outra frente é a valorização da arte urbana legítima. Incentivar murais autorizados e projetos de grafite é uma forma inteligente de ocupar os espaços e reduzir as pichações. Quando o jovem percebe que pode expressar sua arte com reconhecimento e respeito, o muro deixa de ser alvo e passa a ser tela.

Os proprietários também têm papel importante. Manter fachadas limpas e iluminadas, usar tintas especiais e participar de programas de revitalização ajuda a inibir novas pichações. O poder público pode orientar e apoiar com políticas de incentivo, campanhas e parcerias.

A placa do estacionamento Renda Park é, portanto, um símbolo. Ela mostra que há pessoas e empresas que entendem que cuidar da cidade é também um ato de cidadania. Cada muro limpo é mais do que estética, é respeito, é exemplo, é construção coletiva.

Se uma simples parede pode inspirar solidariedade e despertar reflexão, imagine o impacto de uma cidade inteira cuidada com esse mesmo espírito. Muros limpos elevam a autoestima da população, valorizam o espaço público e mostram que o cidadão se importa.

Às autoridades, cabe reforçar o combate à pichação, tratar o tema como prioridade de gestão e investir em campanhas educativas e culturais. À sociedade, cabe não normalizar o vandalismo, denunciar, cobrar e participar das soluções. À iniciativa privada, cabe seguir exemplos como o do Renda Park, transformando cuidado em solidariedade.

Essa placa é um pequeno farol, mas o farol serve para iluminar caminhos maiores. Que possamos ver a paisagem urbana não como mero fundo, mas como expressão de quem somos, cidade, comunidade e coletividade.

Se cada muro limpo for um ato de cidadania e cada pichação for percebida como agressão ao patrimônio comum, então talvez possamos virar o jogo. É hora de barrar as marcas inúteis, as pichações sem sentido e as agressões visuais que tornam nossas cidades feias e cansadas.

Que esse exemplo inspire governantes, empresários e cidadãos. Cuidar da cidade é cuidar de todos nós.

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