Se você vier me perguntar sobre poesia, certamente eu vou girar, girar, girar e parar em Antonio Carlos Belchior, cearense de Sobral, mais cantor e compositor, artista plástico do que propriamente poeta, porém “…o que é um poema? Isto não é do meu tempo, tempo de sex drug and rock and roll, computador…”.
Aquele Belchior se foi em 2017 e deixou um vazio poético e musical em minha alma e de milhares de admiradores por todo o mundo. Sua presença, no entanto, me ronda sempre, em coincidências que me impressionam por muitas vezes.
Neste emaranhado pós-moderno da internet, em tempos de multiverso, amores e amizades virtuais, sou sempre precavido com quem me aborda, algumas vezes já caí em armadilhas e procuro ao máximo contato com quem, de fato, tem algo a acrescentar em minha vida, mesmo tendo um sem número de grupos de WhatsApp, administrar quatro contas de Instagram e pelo menos três de Facebook. Minhas e agregadas a trabalhos que realizo.
Do Face, uma delas me trouxe uma grata surpresa estes dias. Um jovem de Ipueiras, Ceará, entrou em contato, pois meu número é aberto para elogiar as iniciativas da Academia Iracemense de Letras e Artes (AILA), da qual estou presidente. Em sua identificação: Francisco.
De início falou-me dos seus versos, e de outros conterrâneos, além de uma iniciativa louvável ainda em construção: a criação da Associação de Poetas e Escritores do Interior Cearense – APEIC. Só depois eu soube que Francisco, assim como eu, não residia no Ceará, estava na “paulicéia desvairada” e seus poemas carregam a mesma saudade que eu e também de tudo aquilo que cantou Antônio Carlos, de Sobral.
“Ó, que saudades que tenho
Da novena de São Gonçalo,
Mas tive que deixar minha
Terra e rumar para São Paulo,
Na busca de oportunidades
Suor, esforço e muito trabalho.Vejo na minha janela o rio Tietê
Na minha cidade tem o rio Jatobá,
Recordo a invernada muita boa,
Com anzol ou tarrafas a pescar,
Nadar naquelas águas limpinhas
Ó tempo bom para poder lembrar.”
Aos meus ouvidos ouvi “há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa”, ou “quando eu não tinha o olhar lacrimoso, que hoje eu trago e tenho” ou tantas canções de distância decantadas pelo bardo de Sobral. Mas a razão, ainda não sabia (ou sabia). Faltava um “quê” para fechar este nó poético.
“Francisco” então me manda o seu livro, em formato de e-book, com uma tiragem singela de 30 exemplares, a realização de um sonho, segundo ele. E mais uma vez eu sei exatamente do que ele está falando. Publicar uma obra, em um país onde não se lê, é um desafio para poucos.
“Na Trilha da Alma Poética” é uma obra agradável de se ver e ler, bem estruturada, bonita. Fiquei a imaginando impressa, capa, sobrecapa, papel e tinta entrelaçados. E, ainda com os maus hábitos de editor, passei a vista pelas páginas técnicas da obra, e eis que, na folha de rosto, o desvelo de “Francisco” BELCHIOR Chaves de Almeida. Um outro Belchior, mas também longe de casa, uma nova poética, diferente, mas, no fundo tão igual, alguém a ser (re)descoberto e se estas linhas não tiverem digitais do eterno “rapaz latino-americano”, como dizem os bons cearenses: “eu grele!”.
“Caminho em uma estrada
Um caminho de solidão,
Vejo a incerteza nos olhos
E a insegurança no coração.”
Caio César Muniz
Jornalista e escritor