Os militantes jurídicos que procuram cultuar e cultivar um matrimônio monogâmico com o Direito, sem sucumbir à promiscuidade concubinária com outros sedutores setores, regularmente vivem a experiência de constantes solavancos ante os incômodos elementares de consciência.
Habitamos uma preocupante e pouca lógica estação de erosão principiológica. É como se o apego aos princípios fosse coisa de ímpios. Amargamos uma escalada perdulária de vulgaridade do mal e da milícia/malícia autoritária. Há uma geleia geral de frivolidade conceitual. Somos arrastados pelo tufão da irracional divisão.
Tragados pelo tsunami das emoções, deixamo-nos ser guiados pela bússola das rotulações. Os conservadores nos costumes e liberais na economia são rotulados de direitistas; os liberais nos costumes e conservadores na economia recebem o estereótipo de esquerdistas. Os que, sem maiores questões, mantém equidistância de ambos, são chamados de isentões. Nessa limitada e incrivelmente vesga postura, olvidamos de reconhecer a grandeza de cada criatura. E é nesse desvio anatômico da nossa sociedade que repousa a raiz de toda a nossa contemporânea adversidade. Infelizmente, nossa pátria está doente e urge que encaremos esse problema de frente. O pior: essa crônica patologia, ao inocular os edifícios do judiciário, virou um problema extraordinário. Cláusulas, antes tidas como pétreas ou incapazes de ser mudadas, passam a ser tangenciadas; também regras, no curso de um processo, passam a ser modificadas. Em suma, e com solar clareza, a ambiência jurídica é de preocupante incerteza. Com efeito, temos adotado a postura de evitar palpites sobre o deslindes das causas entregues à nossa banca. Nesses últimos dias, um caso nos despertou especial atenção: uma cizânia relacionada a violência política de gênero. Eis o seu conceito legal, na dicção do Art. 326-B do Código Eleitoral: “Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.”
Porém, Tribunais há que caminham em passos ritmados com a melhor exegese. A Corte Eleitoral Cearense, na atual composição, procura apreciar seus feitos honrando Themis, a deusa da Justiça. Na sessão de quinta-feira da semana passada, 11 de setembro, o TRE apreciou esse dito processo sobre violência política de gênero. O caso envolvia o município de Caridade, tendo como protagonistas uma Vereadora e um Vereador. Este fora condenado a 2 anos, 11 meses e 21 dias de reclusão, em razão de uma fala, na Tribuna da Câmara, que totalizou pouco mais de um minuto. O episódio ocorreu porque a Vereadora anunciou ter conseguido na Justiça uma medida protetiva em desfavor do Vereador. Surpreso, o edil foi à Tribuna e questionou a razão dessa medida, pois não era criminoso nem tinha criminoso na sua família. Esse diminuto embate verbal, desprovido de ataques pessoais ou de quaisquer dos núcleos tipificados como violência política de gênero no Artigo 326-B do Código Eleitoral, foi o que gerou a condenação. Por votação unânime, o TRE Ceará reformou a decisão de primeira instância e absolveu o parlamentar. Entendeu, corretamente, que estava ausente o elemento de discriminação ou menosprezo em razão da condição de mulher com a finalidade de impedir ou dificultar o exercício do mandato. A decisão contribui para balizar os limites da liberdade de expressão no debate político, protegendo as mulheres na política sem criminalizar a legítima, ainda que ácida, divergência ideológica.
Demais disso, parece que o tema embute questão provocativa: seria a violência uma manifestação de gênero ou de gênese?! Dito de outro modo: as raízes da violência na política estão nas desigualdades de gênero ou são uma característica intrínseca à própria gênese dos sistemas de poder?
Historicamente, a violência política precedeu às modernas categorias de gênero. Desde as primeiras civilizações, o controle territorial, a acumulação de recursos e a manutenção de hierarquias sociais dependeram da força. Isso sugere que a violência pode ser menos uma questão de gênero e mais uma questão de gênese – está na própria origem dos sistemas políticos.
Combatamos a violência, venha de onde vier, independente da gênese ou do gênero. Busquemos a Paz! Afinal, nos ensinou Gandhi com sua revolucionária sabedoria: “Não há caminho para a paz; a paz é o caminho.”