A recente experiência de férias em Gramado e cidades vizinhas, no Rio Grande do Sul, serviu como um espelho perturbador e inspirador. Ao percorrer os atrativos da famosa cidade serrana, fui acometido por um “sonho acordado” que transportou minha mente para Quixadá, no Ceará. Apesar das distâncias geográficas e culturais abismais, o que vi foi um jogo de potencialidades similares, porém com destinos radicalmente opostos: de um lado, o planejamento e a execução que transformaram uma vila em uma potência turística; do outro, a letargia crônica que mantém uma cidade centenária à sombra do seu próprio possível.
O primeiro paralelo salta aos olhos com a Maria Fumaça. Em Gramado, o trem não foi criado lá e não é apenas um meio de transporte; é uma experiência cultural imersiva. O percurso é palco de arte, degustação e celebração do legado italiano. Enquanto isso, Quixadá possui uma ferrovia histórica da RFFSA, abandonada e enferrujando ao sol. Um trecho que, se revitalizado, poderia conectar distritos de Quixadá, Quixeramobim e outras cidades, contando a história do sertão, passando pelo icônico campo de concentração de Senador Pompeu – um marco sombrio, porém fundamental, da nossa história. A ferrovia gaúcha gera economia; a nossa, gera apenas saudade do que poderia ser.
No campo da sétima arte, o contraste é ainda mais didático. O Festival de Cinema de Gramado foi a semente que germinou todo o ecossistema turístico da região. Uma iniciativa ousada na década de 1970 que se tornou um dos eventos mais importantes do país. Quixadá, por sua vez, é um set natural a céu aberto. Suas paisagens únicas, dominadas por monólitos que parecem cenários de ficção científica, já atraíram produções nacionais e até despertaram o interesse de Hollywood. No entanto, carece da coragem política e da visão para instituir um festival anual que capitalize essa identidade. A Serra do Estevão poderia ser nossa versão do tapete vermelho, celebrando não só o cinema, mas a paisagem que o inspira.
A genialidade de Gramado e cidades vizinhas está em saber criar narrativas a partir de elementos que, por vezes, nem são originalmente seus. O Museu da NASA é o exemplo máximo: não há uma ligação histórica entre a serra gaúcha e a corrida espacial, mas há um público ávido por essa temática. Quixadá, ironicamente, possui uma narrativa orgânica e pulsante que é ignorada: a fama de avistamentos de OVNIs e abduções. Enquanto isso vira apenas folclore e piada local, poderia ser a base de um museu temático único no mundo, um centro de estudos ufológicos que atrairia curiosos e pesquisadores do globo.
O Natal Luz, que move milhões, é essencialmente um espetáculo de luz, som e teatro de rua. É a prova de que a excelência não está no tema, mas na execução. Os artistas de Quixadá certamente teriam a capacidade de criar um espetáculo similar, talvez até mais autêntico, amalgamando o natalino com a riqueza do nosso folclore sertanejo. Mas, novamente, esbarra na falta de investimento e na incapacidade de enxergar a cultura como um motor econômico.
A comparação entre o Parque do Caracol (em Canela) e o Açude do Cedro é a que melhor simboliza a tragédia quixadaense. Enquanto o primeiro é um cartão-postal bem cuidado, com infraestrutura para que o turista admire a natureza, o segundo – uma obra monumental do Império, idealizada por Dom Pedro II – jaz abandonado há décadas. O Cedro não é apenas um reservatório de água; é um reservatório de história, de engenharia e de potencial ecoturístico. Suas margens poderiam abrigar trilhas, mirantes, esportes aquáticos e um centro histórico, tornando-se, de fato, a “porta de entrada” para o turismo na região.
Por fim, a lição mais dura: a cortesia como estratégia. Em Gramado e cidades vizinhas, o turista é guiado, informado e mimado. As cidades inteira funciona como um organismo sincronizado para essa finalidade. Em Quixadá, o visitante muitas vezes se sente um estorvo. A falta de profissionalismo do trade turístico e a ausência de uma sinalização clara e de materiais informativos são barreiras intransponíveis para o desenvolvimento.
Conclusão crítica:
Gramado não é um milagre. É o resultado de décadas de visão, planejamento integrado e, sobretudo, de uma crença inabalável no turismo como eixo central do desenvolvimento. Eles entenderam que se vende uma experiência, não apenas uma paisagem.
Quixadá, com seus 155 anos e um potencial inigualável, vive uma “letargia eterna”. Suas riquezas – naturais, históricas e culturais – são tratadas com desdém. A cidade possui todos os ingredientes para se tornar um polo turístico de relevância nacional: um patrimônio arquitetônico imperial, um bioma único, uma narrativa cinematográfica e ufológica intrigante e um povo criativo.
O paralelo, portanto, não é para nos envergonhar, mas para nos acordar. A questão não é copiar Gramado, mas aprender com a sua metodologia. É entender que o progresso exige coragem para investir, competência para gerir e, acima de tudo, a ousadia de acreditar que o Sertão Central do Ceará pode ser muito mais do que uma promessa esquecida no mapa. Enquanto Gramado planeja o próximo semáforo que não vai instalar, Quixadá ainda se perde no trânsito caótico das suas próprias oportunidades desperdiçadas.




