O Repórter Ceará publica nesta quinta-feira, 11, um texto especial enviado pelo advogado e contista Kleber Mineiro, autor conhecido por sua escrita sensível e reflexiva. No texto, ele aborda a fé como experiência íntima, plural e profundamente humana, convidando o leitor a pensar sobre convivência, respeito e liberdade espiritual.
A Fé que cabe em todos
por Kleber Mineiro
A fé só se torna um problema quando tenta crescer além do próprio coração. E como cresce… Alguns, movidos por certezas que consideram eternas, acreditam ter recebido das alturas uma espécie de autorização para administrar a consciência do outro. Uma pretensão curiosa — e discretamente cômica — quando lembramos que, em um mundo com mais de sete mil religiões, cada pessoa escolhe seguir apenas uma. Para todas as outras, somos ateus automáticos. Uma ironia elegante da vida: carregamos devoção e descrença na mesma alma, como se fossem duas faces do mesmo espelho.
Quando esse entendimento amadurece, derruba uma ilusão muito comum: a ideia de que minha fé precisa servir de molde para a vida alheia. Não precisa. Não deve. A fé não é encaixe, é possibilidade. Não se impõe; acolhe. Não obriga; convida. Não coloniza; acompanha.
E é justamente aí que reside sua maior beleza: a fé é uma escolha íntima — quase secreta — que só faz sentido enquanto permanece livre. Do contrário, vira instrumento de coerção, vira muro, vira ruído. E, convenhamos, Deus — qualquer Deus — não precisa de advogados armados de arrogância.
Respeitar a crença do outro (ou a ausência dela) é reconhecer que cada pessoa caminha com a luz que decidiu acender. Para alguns, ela brilha em templos; para outros, em montanhas, mares, entardeceres ou na própria consciência. O sagrado tem muitos dialetos, e todos são válidos quando conduzem alguém à paz.
Quando deixamos o outro viver como escolheu viver, algo precioso acontece: o mundo se acomoda, a convivência respira e o amor social enfim encontra espaço para existir. Cada um permanece fiel ao que acredita, sem a pretensão de atravessar ninguém — e esse gesto simples resolve quase todos os conflitos que a humanidade insiste em reciclar há séculos.
No fim, convivência não se constrói com dogmas, mas com delicadeza.
E a única forma possível de salvação — se é que existe — nasce desse pacto silencioso: cada coração guarda o tamanho exato do seu próprio sagrado… e nenhum sagrado é grande demais a ponto de caber dentro do outro.




