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Antes tarde do que nunca

Quando falamos em Quixadá logo nos vem a cabeça o memória visual da Pedra da Galinha Choca e do imponente Açude Cedro, naquele casamento de beleza natural e história. Também pudera, a cidade deve muito ao complexo histórico, aliás, não só ela: a região inteira tem uma ligação com a construção. Tamanha importância merecia mais atenção do poder público, aquele responsável legalmente por ela. Demorou -muito, frisando- mas o peso da responsabilidade foi declarado pela justiça.

Considerado a primeira intervenção do Estado contra os períodos de estiagem da região sertaneja, o Açude Cedro por anos abasteceu e irrigou os campos de Quixadá e do sertão central. A obra nasceu da necessidade vista ainda no Brasil Império, após a grave seca “dos três sete”, 1877, 1878 e 1879. Com a degradação da região, a migração em massa para a capital e a desolação no centro da então província, acompanhado pela pressão que se formou em volta do ocorrido, com as primeiras coberturas da imprensa e fotos que rodaram o mundo inteiro mostrando o descaso, a Coroa autoriza medidas contra as secas, como a construção de reservatórios. Assim nasce o projeto do açude. Com a vinda de engenheiros de fora, como Dr. Revi, e intervenção política de José Jucá, então deputado provincial, o local escolhido para a construção foi o ‘Boqueirão do Cedro’, em uma Quixadá recém emancipada de Quixeramobim -a cidade logrou esse status em 1870. Alguns dizem que além do critério técnico, com a barragem das águas do rio Sitiá que nasce na Serra do Estevão, o engenheiro também se encantou com a beleza do lugar. Com uma construção arrastada, que durou quase duas décadas e assistiu momentos importantes da nação, como a queda do Império e a ascensão da República, o Cedro tinha um projeto arrojado, ousado e caro para os cofres públicos. Sua inauguração em 1906 marcou também o início do arrocho nos gastos estatais em obras, que não mais permitiriam uma beleza rebuscada e cara em “excessos”, como um gradeado inglês e piso português importado. Sem dúvidas esses elementos complementam a beleza do lugar, mas a qualidade de sua construção também e responsável por mantê-lo de pé após tanto tempo de esquecimento.

Foi preciso a sociedade civil lutar com unhas e dentes no âmbito judicial para que o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, DNOCS, órgão federal com a tutela do reservatório, atuasse como deveria e evitasse um desgaste ainda maior da construção. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, nos anos 1980, o Cedro está inserido em um espaço Federal dentro do município de Quixadá. A própria cidade não tem o direito legal sobre a terra ou intervenções no lugar. Apenas acordos entre prefeitura e DNOCS garantiam um compartilhamento de deveres sobre o complexo, mas este, firmado no início dos anos 2000, não foi renovado em 2015, quando a irresponsabilidade sobre a barragem, os galpões e a história do lugar deu largos passos. A partir daí, um grupo formado por estudantes, professores, historiadores, políticos, jornalistas e sociedade civil investe em ações judiciais contra a esfera federal pelo descaso. O Cedro ficou tão abandonado pelas autoridades que não dispunha mais de vigias, iluminação, reparos técnicos, os galpões passaram a se deteriorar mais rápido ainda e a represa principal, símbolo mor do complexo, apresentou mais rachaduras, perdeu luminárias e cabos elétricos nos postes e até as colunas que sustentam as correntes passaram a sofrer com o vandalismo; cerca de 4 foram quebradas. O açude dependia da boa vontade dos comerciantes do local e dos moradores que lá estão há décadas. Todos pareciam de mãos atadadas, o poder público municipal sem direitos sobre o local, o IPHAN parecia ter esquecido o próprio tombamento e o DNOCS insistia em não fazer nada.

Diz o dito popular que “a justiça tarde, mas não falha”; prefiro o que usei para o título desse texto. Em 2019 um projeto de requalificação é lançado, e a ação civil ajuizada pelo Ministério Público Federal é deferida. Esperava-se a liberação de R$1,4 milhões em verbas; essas, porém, estavam bloqueadas pelo Ministério da Economia; um plano emergencial de cerca de R$300 mil foi elaborado e, no segundo semestre de 2020, a intervenção é iniciada. Nessa etapa, é previsto no acordo legal a reforma de passarelas no parque do complexo, revisão geral na fixação das colunas e instalação de 4 novas substituindo as vandalizadas, placas de sinalização turísticas verticais e sinalização horizontal, revisão dos gradis e da situação dos galpões e revisão na instalação elétrica. No meio de janeiro foi feita a instalação da nova iluminação na parede do reservatório -em LED, com tecnologia fotovoltaica, mas que foi criticada por alguns por destoar do visual clássico da construção. Sem dúvidas é um avanço e um alívio para o Cedro, mas de forma alguma devemos parar de lutar. Muitos outros pontos estão elencados no projeto principal apresentado e ainda há a verba para conseguirmos o desbloqueio. Avançamos quando trabalhamos juntos por aquele bem que é símbolo de nossa cidade e região, e sem dúvidas avançaremos muito mais se continuarmos lutando. O Cedro é memória e história, e um povo sem memória, é um povo sem nada.

Essa coluna tem a pretensão de ser colaborativa. Se crê que algum tema da política e dos acasos sociais são de grande relevância, entre em contato, terei o prazer de discuti-los com você e, a depender da conversa, virar assunto de nosso espaço.

“Vendendo meu peixe”, se você gosta de história e ficou um pouco mais instigado com a do Açude Cedro, do contexto de sua construção, a motivação, como ocorreu e seu simbolismo até hoje, temos uma série de vídeos publicados em comemoração aos 150 anos de Quixadá, em 2020, e o Cedro foi o personagem principal do último capítulo, intitulado ‘A última joia da Coroa’. Aqui, o link do vídeo disponível: https://youtu.be/4mpJjUeiMdE

Foto: Melissa Nunes

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