Atendendo à recomendação do Ministério Público Federal (MPF), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou despacho e decreto que reativam e alteram a composição da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEDMP). Criado em 1995 e extinto no final de 2022, o colegiado tem, entre suas atribuições, tratar de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas no período da ditadura militar, entre setembro de 1961 e agosto de 1979.
O grupo é vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e será presidido pela procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, que também coordena o Grupo de Trabalho Memória, Verdade e Defesa da Democracia da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC). Os atos que determinam a retomada das atividades foram publicados nesta quinta-feira, 4, no Diário Oficial da União.
Criada pela Lei n° 9.140/95, a CEMDP é responsável não apenas por fazer o reconhecimento de pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura, mas também por empregar esforços para localizar os corpos desses indivíduos, além de emitir parecer sobre requerimentos de indenização formulados por familiares das vítimas. A comissão foi extinta no fim de 2022. O despacho publicado hoje anula o ato de extinção, enquanto o decreto determina a substituição de quatro dos sete membros do colegiado. Eugênia Gonzaga retorna à CEMDP na qualidade de representante da sociedade civil, e o procurador da República Ivan Garcia Marx, que já integrava o grupo, segue na composição representando o MPF.
Extinção prematura – Na recomendação expedida ao MDH em março, o Ministério Público Federal defendeu que a continuidade dos trabalhos da Comissão é essencial, especialmente em relação à busca de restos mortais e registros de óbito das vítimas da ditadura. Para o MPF, a extinção do grupo em 2022 foi um ato prematuro, uma vez que existem muitos casos ainda pendentes de registro e medidas administrativas, incluindo os desaparecimentos ocorridos na Guerrilha do Araguaia e a identificação de corpos encontrados nas valas de Perus (SP) e no cemitério Ricardo Albuquerque (RJ).
A atuação da CEMDP permite a execução das condenações impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) ao Brasil em relação às violações cometidas na ditadura militar. No julgamento do caso Gomes Lund, da Guerrilha do Araguaia, por exemplo, o Estado brasileiro foi obrigado a “realizar esforços para determinar o paradeiro das vítimas, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares”. Já na condenação no caso Vladimir Herzog, foi determinada a adoção de medidas para reconhecer a imprescritibilidade das ações vindas de crimes contra a humanidade e internacionais.
A extinção do grupo ainda descumpriu recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que orientou medidas como a retificação da anotação da causa morte no registro de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos, além do prosseguimento de atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares dos restos mortais dos desaparecidos políticos. Além da retomada das atividades, o MPF recomendou que a Comissão fosse dotada de orçamento e pessoal adequados ao seu pleno funcionamento.
De acordo com o procurador da República Ivan Marx, com a retomada das atividades, a expectativa é que a comissão possa desenvolver mais ações de busca ativa por restos mortais de vítimas da ditadura, frente de trabalho que necessita de maior atenção e investimento. “A reativação da Comissão representa um passo importante no reconhecimento, pelo Governo Federal, do direito à memória e à verdade, para que os atos de violação cometidos durante o período não venham a se repetir”, afirma.
A coordenadora do GT Memória e Verdade da PFDC e agora presidente da CEDMP, Eugênia Gonzaga, vê com entusiasmo a retomada. “Externo o meu agradecimento ao senhores Presidente da República e ministro de Estado de Direitos Humanos pela confiança em mim depositada, bem como o compromisso de exercer esse encargo com o merecido zelo pelos direitos das vítimas e familiares de mortos e desaparecidos”, declara. Veja a íntegra da nota da procuradora regional da República Eugênia Gonzaga.
O subprocurador-geral da República Paulo Thadeu Gomes da Silva, procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, avalia que a retomada da CEDMP significa uma vitória para as famílias das vítimas e para toda a sociedade brasileira, exatamente porque se trata de uma política de direitos humanos que se efetiva em um Estado Democrático de Direito. “Este passo reforça o compromisso com a verdade, a memória e a reparação, garantindo que as violações dos direitos humanos nunca sejam esquecidas e que a justiça prevaleça”, destaca.