Nas últimas semanas, um projeto de Emenda à Constituição apresentado pela deputada federal Erika Hilton, do PSOL, se tornou um dos assuntos mais discutidos no país. Trata-se de uma PEC que objetiva reduzir a jornada de trabalho máxima, acabando com a escala 6×1 (seis dias de trabalho, um dia de folga). Por ser um projeto parlamentar, a tramitação do texto na Câmara só começa objetivamente quando conseguir a assinatura de 171 deputados. Nas redes sociais, perfis reverberam a proposta e pressionam parlamentares a aderirem; nas TV’s, mídias tradicionais e espaços de direita/extrema-direita, contudo, há uma profusão difusa de discursos, narrativas e mentiras com um objetivo comum: fazer valer o jargão que ‘a economia vai quebrar’. Eu diria “que economia ridícula essa”, mas o problema não é a economia em si, mas a manutenção do capitalismo exploratório.
Se retrocedermos ao século XX, nos anos 1960, veríamos jornais, revistas, meios de comunicação, políticos e os donos do poder econômico bradando que o 13º salário iria quebrar a economia. Se voltássemos aos anos 1940, esses mesmos personagens falariam que a Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT, quebraria a economia. Se nossa viagem refluir um pouco mais, ao século XIX, poderíamos observar o mesmo esperneio desses personagens dizendo que acabar com a escravidão iria quebrar a economia. Se nossa máquina do tempo nos levasse a 1845, veríamos esses mesmos grupos falando como o fim do trabalho infantil quebraria a economia mundial no pós-revolução industrial, ou como a redução da jornada de trabalho de 12, 14 horas por dia faria o mesmo. Em qualquer época da história que visitemos -e nem precisamos de máquinas para isso, basta uma pesquisa, vamos entender que qualquer mínimo avanço obtido pela Classe Trabalhadora é sinônimo de desastre para quem vive de sua exploração.
Sim, avanços obtidos pelos trabalhadores pois nenhum deles veio do céu, de milagres ou do “bom senso”. Cada conquista foi fruto do suor e do sangue derramados nas greves, pelos sindicatos, pela sociedade organizada. Organizada como se está sendo nesse momento e como há muito não se via. Há um consenso de pauta, que une setores que pareciam distantes, e com um amplo espaço para inserção no debate público. A pressão das redes está a passos de chegar nas ruas. A iniciativa parlamentar acende também um farol para a esquerda brasileira que se sentiu duramente atingida nas últimas eleições. Esse é o início do caminho para os trabalhos do texto que pode, ainda, ser anexado a outros projetos já apresentados no parlamento, como da redução da jornada semanal de 44 horas para 36 e da flexibilização das escalas para diferentes setores, feitas pelo deputado Reginaldo Lopes, do PT. O governo Federal, que governa o país longe de ter maioria parlamentar, dá sinais que irá aderir ao projeto e às negociações. Manifestações provocadas pelo Movimento Vida Além do Trabalho, VAT, também estão sendo marcadas para o dia 15, feriado da proclamação da República. O tabuleiro político se movimenta com pressa.
Igualmente, as peças do jogo de quem defende a manutenção da escala exploratória estão sendo jogadas. Jornais dão espaço e escutam patrões, representantes de entidades patronais e seus semelhantes -mas fecham o debate para os trabalhadores. Nesse sentido me apeteceria muito uma conversa entre algum jornalista que verbaliza as vontades de seus patrões em ambientes climatizados e sorriem de deboche sobre o projeto discutido, com algum semelhante seu, que trabalha de segunda a sábado -e às vezes até no domingo, no caixa de algum supermercado. Seria, sem dúvidas, uma experiência esclarecedora para ambos: o jornalista, chorando, entenderia que também é trabalhador, e o caixa, perplexo, perceberia quão burra e abjeta é a elite econômica e seu sistema infernal.