Em algum lugar do planeta, um casal decidiu construir um bunker. Não se trata de um capricho ou uma excentricidade movida por filmes de ficção científica. É um reflexo direto de um sentimento cada vez mais coletivo: o de que o mundo, como o conhecemos, está à beira do colapso.
Eles dizem que se prepararam “para o pior”. Mas o que exatamente é esse pior?
Talvez seja a guerra — e não apenas aquelas transmitidas em tempo real pela televisão ou pelas redes sociais. Mas a guerra silenciosa e diária que dilacera as sociedades por dentro: o conflito de classes, o ódio ideológico, o extremismo que explode em atentados, invasões e massacres. Talvez seja o poder, essa entidade voraz que consome líderes e populações inteiras, que transforma democracias em teatros de corrupção e manipulação.
É possível que o casal tenha se cansado de assistir a escândalos políticos que se sucedem como capítulos de uma novela grotesca, em que os personagens são sempre os mesmos, mas os prejuízos são sempre nossos. O egoísmo de quem governa, legisla e julga sem compromisso com o povo comum cria não só desesperança, mas também caos.
Talvez o bunker tenha sido motivado pela violência cotidiana. Aquela que não choca mais porque se tornou banal. Que aparece nos noticiários como mais um número, mais uma vítima, mais uma estatística. A violência que corrói a confiança entre vizinhos, que impede crianças de brincarem nas ruas, que faz com que jovens sejam mortos antes de completarem seus sonhos.
Ou talvez o impulso tenha vindo da natureza em desequilíbrio. Das enchentes que destroem cidades. Das secas que matam plantações e empobrecem comunidades. Das temperaturas extremas que fazem a terra arder de febre. Das tragédias “naturais” que já não são tão naturais assim, mas resultado direto da ação predatória de um sistema que destrói para lucrar.
O bunker, nesse contexto, não é apenas um abrigo físico. É um símbolo. Um grito abafado de desespero. Um reflexo do sentimento de impotência diante de um mundo cada vez mais desfigurado por suas próprias escolhas. A desigualdade social escandalosa, que faz com que uns acumulem fortunas incalculáveis enquanto milhões não têm o que comer, é mais uma rachadura nessa estrutura global que ameaça desabar.
Se alguém sente que precisa se enterrar vivo para sobreviver ao que está por vir, é sinal de que o mundo na superfície já não oferece abrigo.
É fácil olhar para esse casal e vê-los como exagerados. Difícil é encarar o espelho e admitir que, talvez, todos nós estejamos construindo nossos próprios bunkers — emocionais, digitais, espirituais — para tentar escapar de uma realidade que parece cada vez mais hostil.
Mas a verdade é dura: nenhum bunker é suficiente quando o que precisa ser reconstruído não é apenas o mundo, mas a humanidade em si.