Desçam do Muro

Não se pode servir a dois senhores. Não se pode querer os bônus do poder sem o ônus da lealdade. É a síndrome do vendedor da Brahma Shop que, no bar com os amigos, só pede Skol

Foto: Governo do Ceará

Vivemos tempos de decifração. Mais do que cidadãos, nos tornamos intérpretes de uma política sussurrada, feita nos bastidores e servida em xícaras. A pauta do dia não vem mais dos discursos em tribuna, mas dos encontros velados, das fotos “espontâneas” e dos eventos simbólicos.

Somos obrigados a analisar quem sentou à mesa no “café da oposição”, a decodificar os sorrisos polidos do “chá da tarde“ ou acompanhar o “governo que não para”.

​Nesse teatro de sombras, cada gesto é um recado, cada ausência é uma mensagem. E nós, a plateia, fazemos uma ginástica mental diária para entender o que não foi dito. É nesse cenário que vozes como a do jornalista Donizete Arruda ganham eco; pode até soar como um profeta do apocalipse, mas a teimosia de suas previsões em encontrar um rumo certeiro nos força a ouvir.

Enquanto isso, nos cantos mais escuros, há aqueles que se alimentam do caos, os adeptos do “quanto pior, melhor”, que torcem pelo tropeço, pela crise, pelo incêndio, pouco se importando se a casa que queima é a de todos nós.

​Mas há um limite para a ambiguidade. Há um momento em que a paciência se esgota e a clareza se torna não uma opção, mas uma necessidade vital. E esse momento chegou.

Afinal, as águas de março já passaram, levando consigo as últimas desculpas. A promessa de fim de verão chegou, e com ela a urgência de emergir deste mergulho turvo e finalmente tomar uma decisão.

​A história recente, aliás, nos deu a bússola para essa clareza, na voz de quem já esteve no centro da arena. Em uma de suas falas mais emblemáticas para o Brasil, que o gravou nos anais da política, Cid Gomes definiu o que deveria ser óbvio: “quem é governo é governo; quem é oposição é oposição”. Para os indecisos, ele deu o nome: “larguem o osso”. Uma síntese perfeita e brutal da incoerência que hoje se tornou regra.

​Esse rompante de sinceridade de Cid nos obriga a olhar o tabuleiro atual no Ceará e questionar: e sua irmã, a deputada e secretária Lia Gomes? Ela é governo? É oposição? Ou, para não se comprometer com os cafés e chás já estabelecidos, teria criado para si um novo rito, o “chá do meio dia”, exclusivo para os que habitam o exato centro do muro?

​Não se pode servir a dois senhores. Não se pode querer os bônus do poder sem o ônus da lealdade. É a síndrome do vendedor da Brahma Shop que, no bar com os amigos, só pede Skol. Veste a camisa da empresa, bate as metas, elogia o patrão em público, mas sua sede e sua verdadeira preferência estão no concorrente. A quem ele engana, senão a si mesmo?

​Chegou a hora de falar mais claro, de assumir posições, de ter a coragem de ser uma coisa ou outra. A política dos recados, dos acenos discretos e das alianças de coxia esgotou sua validade. O cenário exige nitidez, pois, como a sabedoria popular adverte há séculos, quem insiste em ficar em cima do muro corre o sério perigo de o muro cair bem em cima de si.

E este muro, de tão sobrecarregado pela indecisão, já dá sinais de que não ficará de pé por muito mais tempo. Tomem suas posições e deixem a fila andar no governo que não para de trabalhar.

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