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Pensar as cidades

Considerando que nossas cidades são de feições marcadamente horizontais, precisamos estimular o crescimento vertical, que facilita a concentração de pessoas e diminui a demanda de serviços de infraestrutura, em geral onerosos aos cofres públicos

Foto: Nilton Alves

Teeteto é um livro escrito pelo filósofo Platão, no qual expõe episódios protagonizados por seu mestre Sócrates. Em um diálogo com o jovem Teeteto, que dá nome ao livro, Sócrates, cuja mãe era parteira, informa que sua profissão era a mesma da sua genitora. E vai discorrendo sobre a diferença entre o seu partejar e o de sua mãe:

“A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulher, porém homens, e de acompanhar as almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro.”

Sócrates era parteiro de ideias!

Parto da premissa de que o útero de uma urbe, qualquer urbe, é prenhe de parteiros de ideias – atentos observadores que processam a paisagem que possuímos e pincelam o quadro ideal de outra que povoa o seu imaginário.

A essas pessoas, que transitam pelas esburacadas vias do anonimato, falta apenas as conchas auriculares do cérebro que dirige a maquina pública, os ouvidos do poder político. Urge que se abra espaço, uma fresta ao menos, para que na sala escura do poder adentre o raio luminoso da inventividade popular, da criatividade que palpita no coração da cidadania.

Dar vazão às ideias é abrir a mente ao portal dos sonhos. No fundo, planejar é sonhar. Ou organizar o sonho, transformando-o em semente para ser lançada no solo fértil da realização.

O planejamento público é essa tarefa mobilizadora, desafio contagiante, de sistematizar o desejo coletivo, numa dinâmica interativa.

Basta que lancemos o olhar sobre a geografia de uma cidade – quaisquer das nossas cidades – para sentirmos os efeitos da ausência desse planejamento compartilhado.

Exemplos simples confirmam essa assertiva. Se mirarmos o corpo de nossas urbes, logo identificamos que há uma iniciativa empresarial em um bairro e, no polo extremo, outro empreendimento, denunciando a ausência de planejamento. Quando uma cidade se planeja, há uma organização setorial por áreas, de maneira que estrategicamente os projetos são dispostos para compatibilizar o desenvolvimento com o respeito à qualidade de vida das pessoas e ao meio ambiente.

Onde estão, por exemplo, as áreas verdes dos nossos conglomerados urbanos?! Como o pulmão para o ser humano, uma cidade precisa de espaços verdes que propiciem a integração dos que a habitam com a energia revitalizadora da Natureza. Se um rio ou uma outra espiral hídrica circunda, contorna ou corta a povoação, o que é feito para a preservação do seu leito, para a conservação da sua mata ciliar?! Como é encarada a otimização das nossas orlas fluviais a partir da construção de equipamentos coletivos de lazer, de atividades físicas e divertimento?!  É imperioso que se priorize a execução de projetos desse jaez, essenciais para a oxigenação de uma cidade.

Considerando que nossas cidades são de feições marcadamente horizontais, precisamos estimular o crescimento vertical, que facilita a concentração de pessoas e diminui a demanda de serviços de infraestrutura, em geral onerosos aos cofres públicos. A cada nova rua que se abre, aumenta a demanda por pavimentação, iluminação publica e saneamento básico, dentre outros. Na medida em que se investe na construção de edifícios, em áreas onde já estão disponibilizados os serviços básicos, diminui-se o ônus ao erário.

É obvio que essas perorações têm um único objetivo: frisar a necessidade de pensarmos nossas cidades. Definirmos os seus rumos. Em uma palavra: planejá-las! Planeá-las com a planta do espírito desarmado, com o horizonte aberto para o futuro, com o coração palpitando de sonhos transformadores, com a alma sintonizada às energias vitais. Tarefa impossível?! Jamais. Basta que o poder público reúna os nossos anônimos parteiros de ideias e se lhes dê assento e acento, lavra e palavra, voz e foz, peito e respeito.

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