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O ocaso de 25

Nesse delicado ciclo em que flertamos com uma regressão ao “estado de natureza”, onde a vontade do mais forte – ou do mais astuto – se sobrepõe ao bem coletivo, miremos a filosofia

Foto: Pixabay

Chegamos à antessala de um novo ano. Como sói ocorrer nessas datas espirais, sentimos, a descortinar no horizonte, uma atmosfera reflexiva. Habitamos uma Pátria aonde o mais estável dos sentimentos é o da instabilidade. Isso mesmo: a instabilidade virou algo estável. Vivemos a paradoxal segurança de que estamos sob a regência da insegurança. Miramos o inseguro porto do desconforto.

Dói ver nosso País amargando uma grave dieta cívica, uma privação de homens de têmpera, um período de abstinência de estadistas. Mais dolorosa ainda é a intemperança institucional. As instituições, que são os mecanismos legais de regulação da ordem social, viraram mananciais de tensão, indústrias de fragilidade.

Eis que nos faltam líderes. Líderes – sejam políticos, julgadores ou técnicos – devem ser velas, faíscas, lâmpadas, faróis ou candeeiros para o povo. Estamos em um jejum de verdadeiros guias. Parece que realizamos um recuo cronológico de mais de 2.000 anos. É como se refizéssemos o itinerário do filósofo grego Diógenes, que saiu de casa com uma lanterna. Embora fosse plena manhã e o sol brilhasse, lá estava ele com a lanterna à mão. Todos o interrogavam sobre a razão daquilo. Diógenes respondia: “Procuro um homem”. Segundo ele, não havia nenhum homem nas ruas e nos lugares públicos. É como estamos.

Caminhamos a reboque do choque. Menos o trovão súbito de uma tempestade e mais, bem mais, a colisão constante e calculada de placas tectônicas institucionais. O cabo de guerra entre os poderes – sobretudo entre seus representantes – tornou-se um esporte nacional. Esse espetáculo deprimente é transmitido ao vivo, com narradores e comentaristas. Enquanto isso a nação, plateia atônita, a tudo assiste entre intrigada e confusa.

De cima nenhum bom exemplo desce. Nem mesmo daquele Poder que é representado por uma deusa de olhos vendados, espada em uma mão e balança na outra. Os atributos da deusa Themis, que se tornaram símbolos universais e atravessaram séculos e culturas, estão sendo solenemente desconsiderados: a espada, não como instrumento de vingança, mas como ferramenta de corte preciso entre o certo e o errado; a balança, delicada em seu equilíbrio, ensinando o bom senso e a maturidade; e, talvez o mais poderoso de todos os símbolos: a venda sobre os olhos, expressando a imparcialidade total, sem qualquer distinção de raça, cor ou conta bancária.

Parece que o magistério centenário do patrono da advocacia, Rui Barbosa, soa intrigantemente atual: “O poder não é um antro; é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação, têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”

Diante desse cenário, lembro de Pitágoras. Além de pai da matemática, nos ensinando que “todas as coisas são números”, foi o inventor da palavra filosofia (filos: amigo/amante e sofia: sabedoria). Emito votos que no ano vindouro sejamos isso: amantes da sabedoria. Mergulhemos no oceano da filosofia. Lembremos, por exemplo, Platão. Este concluiu que os males do homem só chegariam ao fim quando fossemos governados por filósofos, amigos do saber.

Nesse delicado ciclo em que flertamos com uma regressão ao “estado de natureza”, onde a vontade do mais forte – ou do mais astuto – se sobrepõe ao bem coletivo, miremos a filosofia. Se esse ambiente hostil, marcado pela desconfiança nas instituições, gera um êxodo de virtudes, um asilo de esperanças, recorramos à filosofia. Realizemos, como os estoicos, o mergulho para dentro. Se somos experts em dançar conforme a música, desliguemos o rádio e ouçamos a nossa composição. Fortaleçamos o cosmo interior. Cuidemos do próprio jardim!

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