Em 25/03/1884 se comemorava os 60 anos da Constituição imperial brasileira (a primeira que o país teve) e, também, era uma data comemorativa para a Igreja Católica: o dia da Ascenção de Maria. O Presidente da Província (atual cargo de Governador do Estado) era Sátiro de Oliveira Dias, e foi ele quem anunciou o fim da escravidão no Ceará. Foi o pioneirismo do Ceará na libertação dos escravos que fez o Estado ficar conhecido como Terra da Luz.
Acabar com a escravidão, contudo, não foi uma mera canetada. Foi resultado de um processo que desencadeou uma série de eventos. É importante situarmos o Ceará, e o Brasil como um todo, no contexto mundial, para compreender melhor a mentalidade daqueles homens e mulheres que lutaram pelo fim da escravidão de seres humanos. A década de 1880 está inserida no período de relativa paz e avanços científicos e tecnológicos – conhecido como Belle Èpoque. Além dos diversos sentimentos envolvidos na luta abolicionista, estavam presentes ainda os ideais de racionalismo, capitalismo e liberalismo econômico, com a defesa do trabalho assalariado. Os avanços dos meios de transporte e comunicação contribuíram para a circulação de ideias, que por sua vez resultaram em debates, criação de jornais e sociedades abolicionistas.
No Ceará, em 1879, foi criado o grupo de abolicionistas Perseverança e Porvir; em 1880, a Sociedade Cearense Libertadora; em 1881, o jornal O Libertador; em 1882; o Centro Abolicionista; e, em 1883, a Sociedade das Senhoras Libertadoras, o Clube Abolicionista Caixeiral e a Libertadora Estudantil. O que todos esses grupos tinham em comum? Promoviam reuniões e bailes onde discursavam e arrecadavam fundos para a compra de alforrias.
Em 1881, os jangadeiros aderiram a causa abolicionista e trouxeram consigo a mobilização popular. Os principais líderes foram José Luís Napoleão, negro alforriado, jangadeiro que contava com boa popularidade junto aos trabalhadores portuários; e Francisco José do Nascimento, que entrou para a história com a alcunha de Dragão do Mar.
Francisco José do Nascimento, natural de Canoa Quebrada, filho de pescadores, ficou órfão de pai ainda criança e foi criado pela mãe, Matilde. No período dos levantes abolicionistas ele foi descrito como alguém bem-vestido, e que possuía noções de inglês e alemão. Funcionário público, ocupava o cargo de prático-mor do porto, atuando na orientação para atracagem de navios. Além de ser um dos principais líderes dos jangadeiros foi escolhido como símbolo do movimento abolicionista cearense.
Os eventos de 1881 consistiram na recusa, por parte dos jangadeiros, de fazer os transportes de cativos até os navios. O brado “no Porto do Ceará não se embarcam mais escravos” ecoou em 27/01, em 31/01 e em 30/08 do mesmo ano. Embora os traficantes de escravos pressionassem as autoridades políticas e buscassem colocar a polícia contra a população, os jangadeiros resistiram com sucesso. No contexto das greves dos jangadeiros, é importante salientar a importância da liderança do ex-escravizado Antônio José Napoleão, sua companheira Preta Simoa e a Negra Esperança.
Em 1883, o movimento abolicionista percorreu o interior do Estado, começando por Acarape, que libertou seus 32 escravos e passou a se chamar Redenção. Posteriormente outros municípios aderiram a causa. O Governo Provincial, por sua vez, tratou de dificultar a venda de escravos, aumentando os impostos sobre exportação, bem como elevando os impostos que deveriam ser pagos anualmente sobre a posse de cativos. Após Acarape, outros municípios seguiram o exemplo e aboliram a escravidão: Pacatuba, Itapajé, Aracoiaba, Baturité, Aquiraz, Icó e Maranguape. Fortaleza, capital do Ceará, libertou os escravizados em 24 de maio do mesmo ano.
A data de abolição da escravidão no Ceará, 25 de março de 1884, o dia da Carta Magna, portanto, foi a culminância da luta de comerciantes, advogados, professores, funcionários públicos, jangadeiros, jornalistas, políticos, estudantes, entre outros grupos, para que a escravidão deixasse de existir no Ceará. Alguns focos da nefasta prática persistiram e, após a alforria, os recém-libertos não contaram com estratégias de inserção social e econômica, mas o Ceará foi o primeiro Estado brasileiro a pôr um basta nesse triste capítulo de nossa história.
Avante, Terra da Luz, ainda temos que derrubar muitas muralhas.