Os primeiros artigos de Código de Posturas de Quixeramobim foram aprovados em 1838, e regulamentavam diversos temas, o que nos permite perceber não a realidade em si, tal e qual, mas sim como o poder público buscava que fosse o Município. Ao observarmos as imposições e proibições podemos vislumbrar quais práticas populares estavam sendo alvo de normatização.
Sobre a criação de animais: porcos deveriam ser criados em chiqueiros, ovelhas e cabras só poderiam ser soltos durante o dia, e recolhidos a chiqueiros à noite. O comércio foi alvo de três artigos: os pesos e medidas deveriam ser regulados de acordo com os padrões da Câmara e passariam por uma revista anual; para que os lojistas e taverneiros pudessem efetuar suas transações necessitariam obter licença anualmente, junto à Câmara; e os gêneros de primeira necessidade somente poderiam ser vendidos pelos próprios produtores, porém teriam que ser expostos por no mínimo quatro horas, em locais públicos da Vila.
As frentes das casas, bem como os oitões e quintais, deveriam ser varridos aos sábados; e nos meses de agosto as frentes das casas deveriam ser cobertas com cal e as calçadas consertadas. A vida na cidade era regida pelos toques dos sinos e as horas sagradas eram referência também na legislação; após a Ave-Maria (18 horas) o silêncio deveria ser preservado para não atrapalhar o descanso dos habitantes, então toda atividade que causasse barulho não poderia ser realizada após esse horário, como correr a cavalo ou açoitar os escravizados. A frieza com a qual a legislação se refere a esse costume violento e degradante da escravização de seres humanos era algo comum em Quixeramobim no século XIX, bem como no Brasil e em vários países na mesma época.
Os responsáveis por verificar se as normas dos Códigos de Posturas estavam sendo cumpridas pela população eram os fiscais da Câmara. Para cada distrito da cidade era nomeado um fiscal, e entre suas obrigações estavam: Visitar frequentemente as boticas, tavernas, casa de mercado, açougue, matadouro publico e mais estabelecimentos que possam interessar à salubridade pública.
Sobre a saúde pública ficou determinado que: Ninguém poderá exercer neste município a profissão de médico, cirurgião e boticário, sem que se tenha registrado seus títulos ou cartas na Câmara municipal os infratores serão multados em quinze mil réis; Quem quiser abrir botica, e manipular remédios, deverá tirar licença da Câmara, sob pena de incorrer na multa do artigo antecedente; A aplicação e preparação de remédios por pessoas que não forem profissionais só será admissível quando em caso de necessidade a Câmara providenciar neste sentido, e a pessoa que o fizer em contravenção deste artigo, será multada em 30 mil réis.
Nem a Igreja Católica escapou da normatização: a partir de 1860 os dobres e toques de sinos não seriam mais permitidos entre oito horas da noite e cinco horas da manhã, com exceção das “matrizes e capelas curadas para se administrar o Sacramento aos enfermos”, mesmo assim cada “dobre ou repique” não deveria durar mais de dez minutos, sob a pena de pagar multa de dois mil réis. Os administradores das igrejas e os fiscais da Câmara – que eram responsáveis pela manutenção de praças, cadeias e ruas deveriam “mandar varrer todos os sábados” e ainda “limpar todos os matos e capim que nascerem ao redor delas”.
Os dejetos provenientes das casas entraram no rol de preocupações do poder público com a proibição de “lançar ou mandar lançar nas ruas, becos, portões, etc., lixos, imundícies ou qualquer coisa que possa incomodar ou danificar ao público”. O fiscal da Câmara deveria indicar um local apropriado para tal finalidade. A desobediência a essa regra resultaria em multa de dois mil réis, mesmo valor estipulado para os que abandonassem “animais mortos nos lugares contíguos a cidade, povoações, nas estradas e caminhos”, bem como para os que recolhessem “vacas paridas nos muros das casas da cidade e povoações”. Foi proibido, ainda, o estabelecimento de “salgadeiras e depósitos de couros salgados dentro da cidade e povoações”. Nesses casos a punição consistiria em multa no valor de dez mil réis, além da remoção de tais estabelecimentos para fora do perímetro urbano. Vale a pena salientar que nesse período circulavam teorias científicas que acreditavam que os maus cheiros provenientes de locais sujos, com matéria orgânica em decomposição, eram causadores de doenças, que entrariam no corpo humano pelas narinas, por isso a partir de 1850 o Brasil iniciará esforços para afastar hospitais, locais de sepultamento e matadouros de animais para locais distantes dos centros urbanos e que ficassem em sentido contrário ao vento, para que os maus cheiros não fossem trazidos para os habitantes.
Não seria tolerado: matar, para expor a venda, carne de gado afetado do mal triste ou de qualquer outra doença, e nem de gado que aparecesse morto ou que morresse enquanto estava sendo conduzido para o curral ou para o matadouro público, sob pena da multa de dez mil réis, além da perda da carne; também ficava igualmente proibido matar gado cansado ou aperreado.
O esquadrinhamento do espaço urbano estava em alta naquele momento, pois o tema da arquitetura foi abordado em 14 artigos: As ruas deveriam ser divididas em quarteirões, cada um contendo vinte casas, cada uma com “pelo menos vinte palmos de frente”. As medidas de portas, janelas e portões, a altura das frentes de casas térreas e dos sobrados, bem como a largura e nivelamento de calçadas, tudo estava determinado nos artigos de posturas. Na análise de algumas escrituras de hipoteca e de doação, datadas de 1862 a 1863, foram localizadas referências a construções intermediárias, entre os imóveis de taipa e de alvenaria. Havia “uma morada de casas de taipa com frente de tijolo”, indicando a preferência em revestir a frente do imóvel com tijolos como forma de valorizá-lo, e “uma morada de casas térreas, construída de tijolos, tendo alguma coisa no repartimento, de taipa, com duas portas e uma janela de frente, com muro de tijolo”, neste caso apenas as paredes interiores eram de taipa, o que aponta para o momento de transição nas construções da sede do município.
Algumas normas propostas deixam transparecer práticas corriqueiras na cidade, que o poder público objetivava eliminar, como a pichação de paredes, pois “qualquer pessoa que riscar com carvão ou tinta as paredes dos prédios alheios, ou as sujarem por qualquer maneira, será multada em seis mil réis”. Através das proibições, buscava-se transformar a cidade física e culturalmente. Antigos costumes tornavam-se obsoletos e novas regras de convívio se faziam necessárias, como a proibição de “andar a cavalo nas calçadas, assim como ter animais amarrados nas portas ou janelas”. Ainda “fica proibido correr a cavalo ou esquipar nas ruas e praças da cidade e povoações”, após as 18 horas, horário que marcava o início das “horas de silêncio”, nas quais ficavam proibidos também os vozerios e os castigos “de escravos ou qualquer outra pessoa”.
Agora que você já leu sobre essas leis e costumes do nosso Município, quando estiver andando pelo centro histórico, ou pelas fazendas antigas, poderá entender um pouco mais sobre aquelas pessoas que viveram aqui a séculos atrás, nosso mural de antepassados.